Hoje os algoritmos me trouxeram uma convergência que, se não inesperada nos dias que correm, pelo menos é um pouco auspiciosa. Um texto do Jamil Chade via Facebook, uma matéria da BBC compartilhada num grupo acadêmico no Whats, e uma postagem no blog do Octavio Aragão trazem todas a questão da nostalgia e de como ela pode ser perniciosa.
Os textos não tratam exatamente do mesmo assunto, mas desta vez o algoritmo (nome que, acho, às vezes usamos de maneira muito abrangente e talvez leviana, mas isso é assunto para outro post) foi realmente na mosca. O texto do Jamil é uma espécie de “carta aos homens de bem” – com uma certa ironia e muita tristeza, ao contar a infame história do Batalhão 101, composto em sua maioria de homens que não tinham nada a ver com a SS mas que queriam “apenas” matar judeus (aviso: o texto é curto mas doloroso). A matéria da BBC já dói na primeira frase, citação de uma entrevistada que esteve no ato terrorista de 8 de janeiro: “Você é patriota ou ‘jornazista’?” A matéria é uma pequena mas potente análise do poder de destruição das mídias sociais nas mentes dos bolsonaristas radicais, em particular dos mais velhos (com um aparte muito pertinente da antropóloga Mirian Goldenberg nos alertando contra uma possível “velhofobia”, pois os idosos não foram os únicos atingidos pela lavagem cerebral da extrema direita). E, para fechar, o post do Octavio (que, além de um grande quadrinista, professor universitário e pesquisador da área de Design), apontando justamente a nostalgia que comentei no começo do post, usando como exemplo um vídeo recente de um influencer de direita.
Essa convergência me deu mais o que pensar neste domingo modorrento e pré-carnavalesco em São Paulo. É ruim ter saudades do passado? Até que ponto a lembrança de coisas boas da infância e da juventude é precisa? Será que não lembramos com mais generosidade do que passou?
Ou a questão seria outra? E se lembramos com precisão sim, mas tomamos o que foi bom para nós como se automaticamente tivesse sido bom pra todo mundo, e por isso queremos impor ao mundo um retorno ao passado?
Escrevo tudo isso ouvindo post-punk do século 21. Se eu tivesse escrito a frase anterior nos anos 1980, provavelmente teriam me dito para deixar de bobagem, porque seria uma péssima ficção científica, com uma tremenda falta de imaginação – e no entanto estou ouvindo um tipo de música que foi importante para a minha formação, nos tempos de CEFET e de universidade.
Agora me pergunto: isso seria uma forma de nostalgia? Ouvir um mesmo estilo musical ao longo de décadas, ainda que renovado durante esse tempo por grupos novos, com novas vozes (ainda que se pareçam muito com as antigas, como já disse antes aqui mesmo), será isso um recurso à nostalgia? Porque não tenho saudades do passado per se, mas de algum modo quero reter uma certa textura, uma certa ambiência que me cercava na juventude e que me fazia feliz. Não me cerco dessa textura o tempo todo, assim como não uso sempre o mesmo estilo de roupa nem as mesmas cores (algo a se analisar mais à frente, aliás). Mas quem se deixa levar pelo fantasma da nostalgia estaria tentando se cercar em caráter definitivo dessa textura, dessa ambiência? A ponto de criar uma realidade alternativa que cercasse a pessoa como o famoso “campo de distorção da realidade” de Steve Jobs? Ou, para os cinéfilos, um “Adeus, Lênin” só que reacionário?
Nossa, Fábio! Essa convergência também bateu por aqui. Ontem estava assistindo a um vídeo sobre Nepo Babies que também tocava nesse ponto. O quanto a cultura da nossa época, cheia de remakes, nostalgia e figurinhas repetidas, está inerte e anacrônica. Ele apresenta a teoria da Retrotopia, de uma pesquisadora que diz que essa busca constante pelo que é familiar tem a ver com uma necessidade de segurança, estabilidade. Pisar em terrenos conhecidos, em vez de se aventurar pelo novo. A falta de capacidade (ou de incentivos) pra criar esse novo me parece um sintoma de uma extrema falta de diversidade. Afinal, tudo é feito para ser massificado. O vídeo é esse: https://youtu.be/8JNNz_czu4w um beijo!
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Pois é, Aline! No Fantasmas de Minha Vida, Mark Fisher fala sobre essa falta de diversidade mesmo. Já vi o termo Retrotopia – é o título de um livro do Bauman que eu nunca li. Agora vou ver o vídeo e ler o livro! Beijo!!
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