a quem servem as distopias?

Voltando a este blog depois de um tempo (traduções e faculdade cobram seu preço), para uma pequena meditação de manhã de sábado: não me sai da cabeça o pensamento de que, mesmo quando escritas por autoras e autores de esquerda, uma distopia, por seu catastrofismo e profunda falta de esperança no futuro, serve muito mais aos anseios da direita. Porque utopias e distopias estão ligadas diretamente aos nossos anseios (questão tirada de Freud, Foucault e mais recentemente de Althusser).

O parágrafo acima, com pequenas alterações, foi postado hoje no Facebook. Dez minutos depois me deparei com uma excelente notícia: a de que o livro Os Funcionários, da dinamarquesa Olga Ravn, vai ser lançado aqui em junho. Tive a oportunidade de ler a tradução dele para o inglês, e – se quiseremos ser reducionistas – também é uma distopia, que mistura viagem espacial e burocracia numa pespectiva kafkiana. Isso me fez repensar o que escrevi apressadamente naquela rede e acrescentar: de modo geral as distopias pós-apocalípticas anglo-americanas dão ênfase a um catastrofismo que alimenta os anseios da direita. As de fora dessa esfera – e aí eu jogo no mesmo saco Kafka, Bruno Schulz, Olga Ravn, Julio Cortázar, Victor Giudice, entre muitas e muitos outros – tendem a se concentrar mais em visões burocráticas e sufocantes de distopia. As distopias, claro, são escritas como projeção de nossos medos mais do que anseios – mas atendem a anseios assim mesmo, porque o medo de uma coisa gera um anseio por uma resolução no sentido oposto, que sufoque ou elimine esse medo.

Portanto, fica a questão para quem escreve: no fundo, pelo que você anseia?

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