Filmes de Abril

Foram 30 filmes em abril. Esse foi um mês muito bom para a minha cinefilia. Teve de tudo um pouco, do excelente ao muito ruim, mas que valeu até artigo jornalístico, então está valendo. A lista:

In a Lonely Place – Nicholas Ray
O Salário do Medo – Julien Leclercq
Noite Passada no Soho – Edgar Wright
A Grande Entrevista- Philip Martin
Terra à Deriva – Frant Gwo
Jogo Bonito – Thea Sharrock
Millenium – a Garota na Teia de Aranha – Fede Alvarez
A Taste of Honey – Tony Richardson
Código 46 – Michael Winterbottom
Zona de Interesse – Jonathan Glazer
Amadeus – Milos Forman
Oppenheimer – Christopher Nolan
Sérgio Ricardo, uma Outra História do Cinema Novo – Rafael Rosa Hagemeyer
O Salário do Medo – Henri-Georges Clouzot
O Talentoso Ripley – Anthony Minghella
Dias Perfeitos – Wim Wenders
A Corte Marcial do Navio da Revolta – William Friedkin
The Post – Steven Spielberg
Plein Soleil – René Clement
2010 – Peter Hyams
Chungking Express – Wong Kar Wai
Rebel Moon, Part 1 – Zack Snyder
Rebel Moon, Part 2 – Zack Snyder
Freud’s Last Session – Matt Brown
Iceman – Fred Schepisi
A Chegada – Denis Villeneuve
Estranha Forma de Vida – Pedro Almodóvar
Crisis on Infinite Earths, Part 1 – Jeff Wamester
Here Comes Mr. Jordan – Alexander Hall
Bombshell: The Hedy Lamarr Story – Alexandra Dean

Estatísticas:

. Dos 30 filmes, apenas dois foram dirigidos por mulheres, ambos bons: Jogo Bonito é uma história de futebol bem feel good, daquelas que exaltam o valor da amizade. E sabe de uma coisa? Precisamos de mais filmes assim, com esse Ted Lasso feeling (se você não sabe quem é Ted Lasso, corra atrás porque vale muito a pena). Bombshell é um documentário sobre uma das atrizes mais bonitas de Hollywood nos anos 1940 e 1950 e que foi também a inventora do sistema que nos legou o wifi.

. Dos 30, eu já havia assistido cinco. Código 46, Amadeus e 2010 são filmes que revejo sempre que posso. A Chegada e O Talentoso Ripley eu vi apenas pela segunda vez agora, nem sei porquê, porque também são filmes para se rever de tempos em tempos.

. Oito filmes são falados em outros idiomas que não o inglês: um em mandarim, um em alemão, um em japonês, um em português e quatro em francês.

. Um filme brasileiro somente, um ótimo documentário sobre Sérgio Ricardo. Continuo um desastre nesse quesito.

Como nos demais meses, os filmes foram listados na ordem em que os assisti, sem classificação de qualidade; entretanto, me reservo o direito de recomendar que vejam os que mais gostei e, da mesma maneira, sugerir que passem longe dos que não gostei. A saber:

Os que mais gostei:

. In a Lonely Place – Um filme que vale mais como estudo de personagens que como história propriamente dita (embora o mistério de assassinato seja bom). Humphrey Bogart como canalha é algo que sempre me impressiona.

. Noite Passada no Soho – Edgar Wright não costuma errar a mão, e neste caso ele produziu uma pequena obra-prima do cinema recente. O filme tem de tudo: swinging sixties, sensualidade, ficção científica, terror (sobrenatural e não-sobrenatural) e crime. Anya Taylor-Joy é uma alegria de se ver (pun very much intended).

. Amadeus – nunca me canso de ver esse filme. Gostaria de ter visto a peça (aqui no Brasil foi com Edwin Luisi como o jovem Mozart e Raul Cortez como Salieri), mas o filme me consola. Tom Hulce deveria ter ganho o Oscar junto com F. Murray Abraham.

. Dias Perfeitos – esse foi um filme que me surpreendeu. Não fui ao cinema porque, embora goste de praticamente tudo que Wim Wenders faz, fiquei muito incomodado com as críticas positivas ao filme, que me pareceram mais um certo deslumbramento ocidental diante da visão estereotipada que eles têm de uma vida japonesa simples e meditativa. Fico feliz por ter me enganado: o filme tem mais camadas do que se pode supor à primeira vista, tanto que levei alguns dias para de fato entender (ou achar que entendi) o filme e o assimilar como se deve. Para mim ele agora é o melhor filme de Wenders junto com Asas do Desejo e Até o Fim do Mundo. Escrevi uma crítica para o Webinsider que vocês podem ler aqui.

Corra que o filme ruim vem aí:

Abril foi um mês tão rico que eu poderia ter tranquilamente colocado mais uns 5 ou 6 filmes na categoria acima. Não vi nenhum filme constrangedor. Talvez o filme mais fraco dessa leva tenha sido o último de William Friedkin, mas A Corte Marcial do Navio da Revolta é um filme de tribunal bastante interessante baseado na história do motim do Bounty (que por sua vez já foi levada à tela várias vezes ao longo do século passado), que nem a atuação pífia de Kiefer Sutherland consegue estragar.

Ah, quando disse que não vi nenhum filme constrangedor, eu disse uma meia-verdade. Esqueci de Rebel Moon. Mas aquilo ali, vocês vão me perdoar, nem filme é. Leiam a respeito aqui.

Filmes de março

Em março vi menos filmes que nos dois meses anteriores: 29. Não lembro se expliquei meu método aqui nas postagens de janeiro e fevereiro: nem sempre consigo ver um filme por dia, às vezes por cansaço, outras pelo TDAH, que me leva a parar um filme no meio e sair procurando outros no catálogo. Ao contrário do que possa parecer, não faço isso por achar o filme chato. Muitas vezes o filme é incrível e eu estou adorando, mas a mente autista não para de trabalhar furiosamente, e eu me pego pensando que outros filmes incríveis estarão à minha espera nos catálogos dos streamings que assino, e aí danou-se: preciso parar tudo e procurar na hora. Sem contar as inúmeras vezes em que estou vendo um filme, me deparo com uma atriz ou ator de quem gosto muito e sinto uma vontade irreprimível de consultar a web para saber se ela ou ela ainda estão vivos e o que mais fizeram depois do filme em questão.

Mas já estou me alongando demais. Com vocês, os filmes que vi em março:

Flash Gordon – Mike Hodges
Duna parte 1 – Denis Villeneuve
Aquaman – James Wan
Duna parte 2 – Denis Villeneuve (cinema)
The First of the Few – Leslie Howard
Carrington V.C. – Anthony Asquith
Napoleon – Ridley Scott
Wonka – Paul King
American Fiction – Cord Jefferson
A Fantástica Fábrica de Chocolate- Mel Stuart
The Long Arm – Charles Frend
007 contra o Homem da Pistola de Ouro – Guy Hamilton
The Outfit – Graham Moore
Bronson – Nicolas Winding Refn
The GENTLEMEN – Guy Ritchie
Esquema de Risco: Operação Fortune – Guy Ritchie
Cabaret – Bob Fosse
Infiltrado – Guy Ritchie
Uma Vida – James Hawes (cinema)
Cinzas e Diamantes – Andrzjei Wajda
A Última Viagem do Demeter – Andre Øvredal
Holy Spider- Ali Abbasi
Gothic – Ken Russell
Savage Messiah – Ken Russell
Hell on Earth: the Desecration and resurrection of THE DEVILS – Paul Joyce
All of Us Strangers – Andrew Haigh (cinema)
24-Hour Party People – Michael Winterbottom
Finding Vivian Maier – John Maloof e Charlie Siskel
The Boy Friend – Ken Russell

As estatísticas:

. Dos 29, nenhum foi dirigido por uma mulher. Como falei antes em outro lugar, tenho andado mais atento a isso. Não vou parar de ver filmes dirigidos por homens, mas tenho sentido mais vontade de ver filmes de cineastas mulheres, e isso está se provando uma tarefa mais difícil do que eu imaginava, em particular porque poucos streamings hospedam uma produção feminina grande. O garimpo tem que ser intenso.

. Dos 29, eu já havia assistido oito. Uma curiosidade: 007 Contra o Homem da Pistola de Ouro foi o primeiro filme de James Bond que vi no cinema. Fui com meu pai (uma das raríssimas vezes em que fomos ao cinema juntos) num dia de semana no centro do Rio, porque eu havia passado de ano e ele queria me dar um presente. (Valeu, pai.) Desses, o filme que mais vezes vi foi Gothic, que ainda é meu favorito de Ken Russell.

. Somente dois filmes dessa leva eram falados em idiomas que não o inglês: Cinzas e Diamantes (polonês) e Holy Spider (farsi). É pouco.

. Absolutamente nenhum filme brasileiro (o que honestamente é um desaforo).

. Vi três filmes com Patrícia: American Fiction (no streaming), Uma Vida e All of Us Strangers no cinema.

. Como nos outros meses, os filmes foram listados na ordem em que os assisti/assistimos, sem classificação de qualidade; entretanto, me reservo o direito de recomendar que vejam os que mais gostei e, da mesma maneira, sugerir que passem longe dos que não gostei. A saber:

Os que mais gostei:

. Duna – aqui eu coloco os dois como o único filme que efetivamente são. Só consegui ver a segunda parte no cinema, e foi um deslumbre.

. American Fiction – é uma porrada na cara da branquitude. Também foi o filme em que descobri que Jeffrey Wright (ou pelo menos seu personagem no filme) é autista, e faz umas caras idênticas às minhas quando confrontado com situações esdrúxulas. Também me fez começar a ler Percival Everett, e só isso já teria valido a pena.

. Holy Spider – um tremendo filme, muito necessário e imensamente triste porque retrata uma situação que não acontece só no Irã, mas no mundo todo. Feminicídio é uma praga, e para sermos bem francos todo o gênero masculino é uma praga.

. Flash Gordon – da série “é tão ruim que é bom”. Sério, é ruim. Mas é um espetáculo deslumbrante de camp e más atuações, tão ruim que o ponteiro dá a volta e chega próximo do genial. Se você nunca viu e estiver a fim de se maravilhar e dar boas risadas com um filme que não foi feito para ser engraçado, vá em frente sem nenhuma culpa.

Corra que o filme ruim vem aí:

. Aquaman – quanto menos se disser a respeito, melhor.

O resto não comprometeu: alguns filmes britânicos de propaganda da Segunda Guerra, um documentário bacana sobre a fotógrafa Vivian Maier e um filme interessante que eu deveria ter recomendado mais acima, The Outfit, com um dos meus atores favoritos, Mark Rylance.

.

Para fins de registro

Este semestre está andando incrivelmente rápido – com a exceção de maio, que foi o equivalente cósmico de agosto e pareceu se estender relativisticamente no tempo para ocupar o espaço dos outros meses. Não me incomodei porque maio é o mês do meu aniversário e porque eu precisava dessa extensão para resolver pendências de faculdade por conta da viagem que farei à China agora em junho (já falei a respeito nas redes sociais, mas depois escreverei com mais detalhes aqui).

Vai daí que eu acabei não postando mais nada neste blog há três meses. Felizmente andei ocupado e há muito que postar para recuperar o tempo perdido. Procurarei fazer isso entre hoje e 6 de junho, que é quando viajarei. A seguir, os posts referentes à minha cinefilia de março, abril e maio.

Filmes de Fevereiro

A obsessão de começo de ano encontra o hiperfoco autista e dá continuidade à ideia elaborada no começo do ano, a saber, de tentar ver a média de um filme por dia. Agora as aulas começaram, então é bastante provável que essa média não se mantenha – e além disso, tenho novidades para compartilhar com vocês, coisas que comentei nas redes mas sobre as quais não escrevi aqui. Farei isso nos próximos dias. Por ora, fiquem com a lista de filmes assistidos ao longo de fevereiro, com as devidas observações.

Foram trinta filmes em vinte e nove dias. Ao contrário de janeiro, quando só vimos um filme no cinema, desta vez eu e Patrícia assistimos a quatro: Vidas Passadas, de Celine Song, Pobres Criaturas, de Yorgos Lanthimos, O Melhor está por Vir, de Nanni Moretti (estes dois durante o carnaval) e Anatomia de uma Queda, de Justine Trier. Todos excelentes, com a exceção do filme de Moretti, muito decepcionante para mim, que esperava mais que uma egotrip boba (apesar da ótima ideia). Os demais foram vistos em streamings, a saber: Netflix, Amazon Prime, HBO (Max), Star +, Disney +, MUBI, Criterion Channel. Eis a lista completa, com o título de cada filme seguido do nome do diretor:

A Mulher de Tchaikovsky – Kyrill Serebrennikov
A Matter of Life and Death – Powell e Pressburger
Vidas Passadas – Celine Song (cinema)
O Pálido Olho Azul – Scott Cooper
The Ghost and Mrs. Muir – Joseph L. Mankiewicz
Best Sellers: a Última Turnê – Lina Roessler
Fuga do Passado – Jacques Tourneur
Serpico – Sydney Lumet
Lift – F. Gary Gray
Pobre Criaturas – Yorgos Lanthimos (cinema)
As Marvels – Nia Da Costa
Uma Ponte Longe Demais – Richard Attenborough
Belfast – Kenneth Branagh
O Melhor Está por Vir – Nanni Moretti (cinema)
O Cúmplice das Sombras – Joseph Losey
Dante – Pupi Avati
Anjo do Mal – Samuel Fuller
L’Ombra del Giorno – Giuseppe Picconi
A Noite que Mudou o Pop – Bao Nguyen
Anatomia de uma Queda – Justine Triet (cinema)
O Conde – Pablo Larraín
The Lion in Winter – Anthony Harvey
The Wrong Arm of the Law – Cliff Owen
Einstein e a Bomba – Anthony Philipson
Leonora Addio – Paolo Taviani
Gift Horse – Compton Bennett
Filmed in Supermarionation – Stephen La Rivière
Assassinos da Lua das Flores – Martin Scorsese
A Guerra do Fogo – Jean-Jacques Annaud
Solaris – Steven Soderbergh

Algumas estatísticas:

. Dos 30, apenas quatro foram dirigidos por mulheres (menos do que no mês passado, mas uma porcentagem maior com relação ao total de filmes assistidos no mês)

. Dos 30, eu já tinha visto sete; em pelo menos dois casos (The Lion in Winter e Solaris) eu já havia visto mais de três vezes cada filme.

. Seis desses filmes eram falados em idiomas que não o inglês: um deles em línguas inteiramente inventadas (A Guerra do Fogo, cujo responsável linguístico foi Anthony Burgess), um em russo, três em italiano e dois bilíngues (Vidas Passadas é falado em inglês e coreano, e Anatomia de Uma Queda em inglês e francês, com um pouco de alemão) .

. Não vi nenhum filme brasileiro em fevereiro (mea culpa; mais sobre isso outro dia).

. Vi cinco filmes com Patrícia; todos os que vi no cinema, e Belfast, no streaming)

Os filmes foram listados na ordem em que os assisti/assistimos, sem classificação de qualidade; entretanto, me reservo o direito de recomendar que vejam os que mais gostei e, da mesma maneira, sugerir que passem longe dos que não gostei. A saber:

Os que mais gostei:

. Pobres Criaturas – baseado no livro homônimo do genial escritor escocês Alasdair Gray, esse filme foi fogo no parquinho para Yorgos Lanthimos, mas isso é ótimo, porque ele simplesmente adora provocar incêndios por onde passa.

. Anatomia de uma Queda – um filme de tribunal como há muito eu não via. É o meu favorito para o Oscar até o momento.

. Dante – escolhi esse por questão afetiva. É uma reconstituição de época muito delicada da Idade Média italiana, cerca de vinte anos depois da morte de Dante Alighieri. Giovanni Boccaccio, seu maior fã e defensor, procura a filha de Dante para lhe entregar o perdão de Firenze, concedido postumamente ao poeta exilado. É um filme belo, e isso me basta.

. The Lion in Winter – Vi pela primeira vez esse filme numa madrugada da Globo (sim, as madrugadas desse canal já foram muito boas um dia) e me encantei. É baseado numa peça de teatro do próprio diretor, e as interpretações de Peter O’Toole e Katharine Hepburn são gigantes. Sem contar que é um prazer ver Anthony Hopkins e Timothy Dalton, tão jovens mas já experientes no teatro, em seus primeiros papéis no cinema.

. A Guerra do Fogo – Vi esse filme no cinema, ainda adolescente, e ele me marcou profundamente. É baseado no livro de mesmo nome do escritor franco-belga J.-H. Rosny aîné, e a sua concepção de tribos pré-históricas hoje já está ultrapassada, mas ela ainda é forte e impactante. A criação de idiomas diferentes para cada tribo ou comunidade (obra de Anthony Burgess, escritor e linguista que já tinha bastante experiência pela sua criação do nadsat em Laranja Mecânica; coincidentemente – ou não – eu acabaria traduzindo esse livro muitos anos depois) ajudou a dar credibilidade narrativa a esse filme.

Corra que o filme ruim vem aí:

Fevereiro não foi um mês de filmes constrangedores. Vi algumas comédias britânicas dos anos 1950, que, se não são geniais, cumprem a função de divertir. Filme ruim, ruim mesmo, não vi. Mas não recomendo Best Sellers: a Última Turnê. Michael Caine merecia muito mais do que esse filme coalhado de clichês e que não rende quase nada. Meno male que é o seu penúltimo, e não o último, que ele filmou com Glenda Jackson e ainda não tive a chance de ver.

Uma nova lista: filmes de janeiro

A primeira postagem, digamos, de peso em 2024 é uma nova obsessão minha: listar filmes assistidos. Tenho a mania de começar todo ano lendo muito. De tempos em tempos, chego a selecionar livros mais pelo tamanho que pela qualidade: escolho sempre livros finos, com menos de 200 páginas (se for menos de cem, é ainda melhor), para ler um por dia. Comecei isso alguns anos atrás, quando me dispus a ler todos as aventuras do livreiro ladrão Bernie Rhodenbarr, escritas por Lawrence Block, e consegui. Foram onze livros em cerca de quinze dias (o último romance de Rhodenbarr, uma sátira misturando crime e ficção cientifica intitulada The Burglar Who Met Fredric Brown, saiu em 2022, depois dessa maratona). Eu me diverti muito me impondo essa nada desagradável missão.

Mas este ano tudo mudou. Não sei exatamente por que razão, mas decidi ler menos (talvez porque esteja justamente terminando de revisar e reescrever um livro, e isso me consome muito tempo de palavra escrita) e ver mais filmes, para arejar a cabeça. Embora eu nunca tenha feito nenhuma lista de filmes, tenho certeza de que quebrei um recorde pessoal: foram 41 filmes assistidos durante o mês de janeiro, do 1 ao 31. Tenho o hábito de ver dois ao mesmo tempo (não na mesma tela; alterno ao longo de um ou dois dias), e provavelmente foi isso o que me fez chegar a esse número.

Comecei de peito aberto e cabeça fresca, sem planejar o que veria. Dos 41, vi somente um no cinema, com Patrícia: May December (No Brasil, Segredos de um Escândalo), de Todd Haynes. Não gostamos muito; o tema é bom mas o filme, na tentativa de não entregar clichês, acaba sendo bastante anticlimático – e um pouco mais longo do que achamos que deveria ter sido. O resto foi tudo visto em streamings, a saber: Netflix, Amazon Prime, HBO, Star +, Disney +, MUBI, Telecine Play, Criterion Channel. Eis a lista completa, com o título de cada filme seguido do nome do diretor:

Laura – Otto Preminger
Encontros e Desencontros – Sofia Coppola
Moonage Daydream – Brett Morgen
Nope – Jordan Peele
The Northman – Robert Eggers
Polite Society – Nida Manzoor
Bell, Book and Candle – Richard Quine
Rebellès – Allan Mauduit
The Day the Earth Caught Fire – Val Guest
Maestro – Bradley Cooper
Retratos Fantasmas- Kleber Mendonça Filho
The Running Man – Paul Michael Glaser
Design for Living – Ernst Lubitsch
The Battle of Britain – Guy Hamilton
Hitchcock/Truffaut – Kent Jones
French Exit – Azazel Jacobs
La Sociedad de la Nieve – J. A. Bayona
The One – James Wong
Threads – Mick Jackson
Lawrence da Arábia – David Lean
The Creator – Gareth Edwards
Chateau Paris – Modi Barry e Cédric Ido
Godzilla – Ishiro Honda
Segredos de um Escândalo – Todd Haynes (cinema)
Rogue One – Gareth Edwards
The Lair of the White Worm – Ken Russell
Saltburn – Emerald Fennell
Escape from New York – John Carpenter
A Jovem Victoria – Jean-Marc Valée
Os Demônios- Ken Russell
Almoço em Agosto – Gianni di Gregorio
John Wick 2 – Chad Stahelski
John Wick 3 – Parabellum – Chad Stahelski
Night Nurse – William A. Wellmann
On the Rocks – Sofia Coppola
Pickpocket – Robert Bresson
John Wick 4 – Chad Stahelski
The Women – Diane English
Altered States – Ken Russell
Maigret – Patrice Leconte
Nightmare Alley – Edmund Goulding

Algumas estatísticas:

. Dos 41, só cinco filmes foram dirigidos por mulheres;

. Vi dois filmes ou mais do mesmo cineasta: dois de Sofia Coppola e Gareth Edwards e três de Chad Stahelski e Ken Russell;

. Dos 41, onze foram vistos novamente; alguns pela segunda vez, e com pelo menos um deles (Lawrence da Arábia, um dos meus favoritos de todos os tempos) perdi a conta de quantas vezes já vi – provavelmente por volta de quinze.

. Vi seis filmes falados em línguas que não o inglês: três em francês, um em espanhol, um em italiano e um em português;

. Vi somente um filme brasileiro (Retratos Fantasmas, que recomendo fortemente);

. Vi nove filmes com minha mulher, Patrícia: um no cinema e os demais em streaming.

Os filmes foram listados na ordem em que os assisti/assistimos, sem classificação de qualidade; entretanto, me reservo o direito de recomendar que vejam os que mais gostei e, da mesma maneira, sugerir que passem longe dos que não gostei. A saber:

Os que mais gostei:

. Moonage Daydream – documentário fundamental para quem ama David Bowie, com imagens de arquivo pouco exibidas e bem pouca linearidade, o que é muito saudável em tempos de filmes “quadradinhos”;

. Lawrence da Arábia – um dos mais belos filmes já feitos na história do cinema, de todos os cinemas. É pra ver na tela grande (o que vi uma vez na vida, mas ainda quero ver de novo se for possível);

. Altered States – Viagens Alucinantes (título brasileiro, meio fora da casinha mas que faz todo o sentido) é um filme sobre um homem nada lúcido que se deve assistir sem influências entorpecentes para melhor desfrute (mas se quiser pode). O primeiro que vi de Ken Russell

. Os Demônios – Eu nunca tinha visto esse filme. Aproveitei a maratona Ken Russell do Criterion Channel e estou me esbaldando (ainda restam vários para ver, o que tentarei fazer agora em fevereiro); esse é um filme forte (graças ao roteiro baseado em parte no livro Os Demônios de Loudun, de Aldous Huxley) e com um set design beirando o expressionismo, feito por um Derek Jarman em começo de carreira (eu não sabia disso e foi uma bela surpresa ver o nome dele nos créditos); é daquele que sei que verei de novo, e, agora que voltei a ter DVDs, comprarei nessa mídia assim que possível;

. Retratos Fantasmas – essa viagem sentimental de Kleber Mendonça Filho mexeu comigo, que vi meus primeiros filmes ainda criança no Cine Carmoly, da Praça do Carmo, embaixo do prédio onde meu avô vivia; aqui o foco é o Recife, mas senti o impacto da nostalgia se comigo tivesse sido – e foi, porque somos contemporâneos (ele tem 55 anos e eu, 57). É um filme lindo, que também vou rever, mas não tão cedo, porque dói.

Corra que o filme ruim vem aí:

. French Exit – Saída à Francesa, como diz o título em português, é o que você precisa fazer no instante em que esse filme for exibido em qualquer lugar onde você esteja. Michelle Pfeiffer exagerada num filme produzido e escrito pelo autor, com base no seu romance muderninho novaiorquino que pode fazer sentido num livro, mas não no cinema; não é experimental, é ruim mesmo;

. The Creator – Resistência é um dos filmes mais fracos que vi nos últimos tempos. Pena, porque Gareth Edwards conseguiu fazer um bom trabalho com Rogue One, tornando-o um dos melhores da franquia Star Wars. Mas este filme é apenas uma história fraca e boba sobre pobres IAs tentando ser felize snum mundo que não as aceita e as chama de terroristas, com referências óbvias às Guerras do Vietnã e do Golfo. Efeitos visuais bonitos, mas até a minha suspensão de descrença (aceito de um tudo) caiu por terra no instante em que robôs sem órgãos vitais levavam tiros na altura do peito e do tronco e caíam mortos. Tudo tem limite, Gareth.

.The Battle of Britain – Esse filme de 1969 foi dirigido por Guy Hamilton, que dirigiu nada menos que quatro filmes de 007, entre eles Goldfinger e O Homem da Pistola de Ouro. Só que este aqui ficou uma porcaria, infelizmente: muitos atores excelentes bem mal aproveitados e cenas de batalhas aéreas em excesso sem quase nenhuma história para amarrar isso. Só vale a pena para quem quiser ver um jovem Ian McShane num de seus prímeiros papéis.

Gostei da maioria dos demais, por diferentes razões, que não elenco aqui por falta de tempo. No começo do próximo mês publico a lista dos filmes de fevereiro, que já comecei a assistir.

Anotando conceitos

Preparando uma aula sobre Utopias Logísticas, releio meu próprio paper a respeito (Kim Stanley Robinson, New York 2140 / Logistic Utopia, escrito por mim e publicado no livro UNEVEN FUTURES: Strategies for Community Survival from Speculative Fiction (ed. Por Ida Yoshinaga, Sean Guynes e Gerry Canavan – MIT Press, 2022), e me dou conta de uma coisa: o Capitalismo é uma Distopia Logística. Mais sobre isso em breve.

A vertigem das listas, 2023

Comecei este blog há pouco mais de um ano, em 12 de dezembro de 2022. Postei bem menos do que gostaria – foram no total dezesseis postagens, pouco mais de uma por mês. Quase todas envolvendo livros, e todas de caráter acadêmico pop. Como eu já disse antes, este blog é em homenagem ao k-punk, de Mark Fisher, e seu nome é um tributo ao livro homônimo de Julio Cortázar.

O segundo post, publicado no dia 28 de dezembro do ano passado, foi uma lista de livros recomendados a partir de uma brincadeira no antigo Twitter. Como eu saí da máquina infernal do Dr. Musk no dia 1o de janeiro deste ano, não houve repetição. Em vez disso, tomo a liberdade de postar aqui a lista de livros que li ao longo deste ano.

Sei que muita gente não gosta de listas e acha (com grande dose de razão) que elas são narcisistas. No meu caso, faço essas listas com razoável regularidade desde 1984, portanto muito antes da Internet comercial. Então não me sinto na obrigação de me explicar nem me desculpar. Esta minha lista é para consumo próprio, mas se alguém se sentir animada/animado a ler, minhas leituras favoritas de 2023 estão em negrito. À lista, pois. Os livros não estão em ordem de leitura nem de preferência, fui elencando de acordo com a memória e a lista do Goodreads, que por diversos motivos tenho deixado de atualizar.

Livros lidos na íntegra:

  1. Palestina – Joe Sacco
  2. The Pillars of the Earth – Ken Follett
  3. Winter of the World – Ken Follett
  4. Edge of Eternity – Ken Follett
  5. Ricardo e Vânia – Chico Felitti
  6. Maus – Art Spiegelman
  7. Foundation – Isaac Asimov
  8. Icehenge – Kim Stanley Robinson
  9. Ética do Amor Livre – Dossie Easton e Janet Hardy
  10. Desafio Poliamoroso – Brigitte Vassalo
  11. Uma autobiografia – Rita Lee
  12. Outra autobiografia – Rita Lee
  13. The Wild Shore – Kim Stanley Robinson
  14. Eon – Greg Bear
  15. Eternity – Greg Bear
  16. Fer-de-Lance – Rex Stout
  17. Balões de Pensamento 1 – Érico Assis
  18. A Arte da Biografia – Lira Neto
  19. O Silêncio da Chuva – Luiz Alfredo Garcia-Roza
  20. Achados e Perdidos – Luiz Alfredo Garcia-Roza
  21. Vento Sudoeste – Luiz Alfredo Garcia-Roza
  22. Uma Janela em Copacabana – Luiz Alfredo Garcia-Roza
  23. Berenice Procura – Luiz Alfredo Garcia-Roza
  24. Miracleman – Alan Moore, Neil Gaiman
  25. A Vida por Escrito – Ruy Castro
  26. Em Busca do Tintin Perdido – Ricardo Leite
  27. Psicopompo – Octavio Aragão
  28. Intempol – Agora – Octavio Aragão e outros
  29. The Shadow of the Torturer – Gene Wolfe
  30. Aurora – David Koepp
  31. Autonorama – Peter Norton
  32. The Sparrow – Mary Doria Russell
  33. The Library at Mount Char – Scott Hawkins
  34. 100 Must-Read Science Fiction Novels – Stephen E. Andrews e Nick Hennison
  35. Começando Albertina – Deise Abreu Pacheco
  36. Excession – Iain M. Banks
  37. A Última Noite de José Wilker – André Balaio
  38. A Bandeja de Salomé – Adriane Garcia
  39. Um Santo em Marte – Rogério de Campos
  40. Baguncinha – Santiago Santos
  41. Supergirl: woman of tomorrow – Tom King / Bilquis Evely
  42. One on One – Craig Brown
  43. Strange Adventures – Tom King
  44. Shogun Vol 1 – James Clavell
  45. Shogun Vol 2 – James Clavell

Destes, 15 foram releituras. Oito foram graphic novels (das quais 3 totalmente brasileiras e uma parcialmente, se contarmos a genial Bilquis Evely no traço de Supergirl). Cinco foram livros por mim traduzidos. 18 foram de autoras/es brasileiras/os, e somente oito de autoras. A ideia no ano que vem é ler mais autoras, não para ser politicamente correto (mas eu acho justo e válido), mas porque gosto muito da literatura feita por mulheres, seja de ficção científica ou de outros gêneros. Sempre achei – e continuo achando cada vez mais – que de modo geral elas escrevem bem melhor do que nós homens.

Para fechar, uma lista extra: de livros que não terminei de ler. Não os terminei porque fossem ruins: tenho TDAH, e não é nada difícil me desconcentrar da leitura quando surgem outras coisas (inclusive outros livros) e acabo deixando de lado livros que são muito bons, e que eu geralmente retomo meses depois. São eles:

  1. Look to the Lady – Margery Allingham
  2. No Enemy but Time – Michael Bishop
  3. A Few Last Words for the Late Immortals – Michael Bishop
  4. Todos os Contos – Julio Cortázar
  5. Stonefish – Scott R. Jones
  6. Totally Wired: Post Punk Interviews and Overviews – Simon Reynolds
  7. The Whole Mess – Jack Skillingstead
  8. Inventor of the Future – Alec Nevala-Lee
  9. Legends and Lattes – Travis Baldree
  10. The Big Book of Cyberpunk – ed. Jared Shurin
  11. Venomous Lumpsucker – Ned Beaumont
  12. Star Trek Strange New Worlds: The High Country – John Jackson Miller
  13. The Cult of Creativity – Samuel W. Franklin
  14. A Dance to the Music of Time, vol 1 – Anthony Powell
  15. Foundation and Empire – Isaac Asimov
  16. O que não faz de você budista – Dzongsar Jamyang Khyentse
  17. Dirk Bogarde: the authorized biography – John Coldstream
  18. Cary Grant: the making of a Hollywood Legend -Mark Glancy
  19. Airside – Christopher Priest
  20. Dante: A Biografia – Alessandro Barbero
  21. The Remembrancer’s Tale – David Zindell
  22. Shikasta – Doris Lessing
  23. The Trigan Empire, vol 1 – Mike Butterworth
  24. The Medusa Frequency – Russell Hoban
  25. Latim em Pó – Caetano W. Galindo
  26. Cryptonomicon – Neal Stephenson
  27. Pedro Páramo – Juan Rulfo
  28. The Third Man – Graham Greene
  29. A Sombra das Chuteiras Imortais – Nelson Rodrigues
  30. Slow Horses – Mick Herron
  31. Honoré de Balzac – Ilusões Perdidas
  32. Os Detetives Selvagens – Roberto Bolaño
  33. Green Earth – Kim Stanley Robinson
  34. The Caltraps of Time – David I. Masson
  35. Phantom Lady – Cornell Woolrich
  36. La Bibilioteca Perduta – Carlo Vecce
  37. Sagarana – Guimarães Rosa

Vamos às estatísticas: destes 5 eram releituras, uma graphic novel, dois de autores brasileiros e dois de autoras. Nada impressionante, nem era esse o objetivo. Geralmente leio o que entra no meu radar; poucos livros eu leio de maneira planejada e ordenada. Talvez 2024 mude um pouco essa escrita (literalmente) porque já separei alguns livros de pesquisa para meu próximo romance. Acredito que a lista vai aumentar em termos de número ano que vem, mas se isso não acontecer, nenhum problema. O que vale é ter lido. Boas leituras para nós tudo em 2024.

alguns apontamentos para uma crítica literária de ficção científica

Depois de quase dois meses sem escrever aqui, volto depois de um tempo ruminando uma questão que me incomoda, ou melhor, me instiga: temos uma crítica literária de ficção científica?

Eu quase me corrijo aqui dizendo que talvez fosse melhor reescrever o termo mudando a ordem dos fatores: “crítica de ficção científica literária” poderia ser mais preciso, mas a esta altura do campeonato eu sinceramente não sei se todo esse rigor é necessário. Mas algumas balizas, alguns marcadores de território, sim, eu acredito que sejam necessários e bem-vindos.

Penso nisso depois de um evento recente do qual participei, junto com alguns amigos e colegas de academia ligados á ficção científica como Octavio Aragão e Tiago Meira. Durante o evento, que tratava, entre outros temas, de Inteligência Artificial e para o qual fui convidado como escritor e pesquisador de ficção científica, percebi que praticamente ninguém na sala do Zoom (era um evento online) fazia a menor ideia das referências que eu e os meus colegas mencionamos.

Isso não é nada fora do comum em eventos das áreas de tecnologia ou de comunicação – embora eu sempre me surpreenda com o alcance da falta de informação (é isto um paradoxo?) que faz com que meus interlocutores nesses eventos de modo geral só entendam os códigos mais básicos, e mesmo assim relacionados ao audiovisual, como por exemplo robôs e naves espaciais. É totalmente legítimo mencionar esses códigos, e não há nada de errado aí – só que isso faz com que cada conversação desse tipo acabe se tornando uma grande frustração, porque exige que cada palestrante/participante que entende de ficção científica tenha a generosidade e a presença de espírito de (sem ser condescendente, isso é importante) explicar o que é a ficção científica realmente, para além dos seus clichês, para então poder de fato iniciar uma conversação séria.

Talvez um dos problemas seja exatamente esse: a ficção científica é encarada sempre como entretenimento, logo não pode ser séria. Mas como um megagênero, segundo Damien Broderick em seu clássico Reading by Starlight, que recomendo fortemente para quem deseja começar a estudar teoria crítica de ficção científica, a FC (e não sci-fi, termo criado para o audiovisual, coisa que até hoje pouca gente no Brasil sabe) comporta uma quantidade enorme de subgêneros. Ou talvez todos os gêneros, como alguns pesquisadores (eu incluído) que preferem ver a ficção científica como um modo narrativo.

Não sei se esse problema tem solução, talvez porque não seja exatamente um problema, ou o seja apenas para alguns. Mas o evento recente me fez voltar a pensar em algo que eu estava matutando faz um tempo: um curso de crítica literária de ficção científica. Desconheço se já foi feito algo do gênero no Brasil, mas acho fundamental, especialmente nos dias de hoje, em que abundam influenciadores (e mesmo resenhistas da grande imprensa) que não sabem como abordar uma obra de ficção científica sem recorrer a clichês, porque têm pouca ou nenhuma leitura, não só de livros de FC propriamente dita como também de teoria crítica ligada a ela. Pretendo ministrar um curso do gênero ainda este ano. Fiquem ligados.

uma história alternativa da ficção científica – criada por uma IA?

Quem soou o alerta foi o escritor Octavio Aragão ontem no Facebook. Um site, que supostamente seria da Bienal do Livro de Juiz de Fora, publicou um artigo interessantíssimo chamado “21 Livros que Vão Transportar Você para Outros Exoplanetas”. Esse artigo, como já diz o título, relaciona obras de vários autores conhecidos do publico leitor de ficção científica e fantasia, como André Vianco, Braulio Tavares, Luiz Bras e o próprio Octavio.

Só há um problema: nenhum dos livros mencionados existe. E alguns dos autores já se manifestaram a respeito, como Luiz Bras (heterônimo de Olyveira Daemon, the writer formerly known as Nelson de Oliveira). “Planetas Desconhecidos: Uma Odisseia Interplanetária” está lá, elencado como um de seus livros. E, parafraseando André Bazin, “eis o mais belo livro, mas ele não existe”.

Ainda que eu não concorde nem um pouco com Yuval Harari e sua análise estapafúrdia de que as IAs tem cinco por cento de chance de acabar com a humanidade (não concordo porque o capitalismo já está fazendo isso, obrigado), acho que estamos chegando a um turning point em que as fronteiras entre o ficcional (ou metaficcional) e o real vão ficar cada vez mais borradas. Só vai sair desse labirinto quem tiver lido, estudado, pesquisado, enfim: coletado informações e refletido sobre elas a fim de ter conhecimento.

Um exemplo concreto, visto também hoje no Facebook: o crítico de arte Tadeu Chiarelli comentava que conversou com três pessoas na casa dos trinta e mencionou de passagem a atriz francesa Brigitte Bardot. Nenhum deles (e, como frisou Tadeu, todos tinham cursado a universidade) fazia a menor ideia de quem foi Bardot.

A minha geração (estou com 57 anos) talvez tenha sido a última a ter uma vida analógica, sem dispositivos digitais portáteis, computadores pessoais e redes sociais. Eu continuo achando que tudo isso facilitou a nossa vida e estaríamos muito mal sem, mas a chamada “informação na ponta dos dedos”, como disse Bill Gates ainda no século passado, não parece ter ajudado em nada no processo de aquisição de conhecimento. Talvez por causa do excesso de opções e da dispersão?

Enquanto isso, como eu mesmo disse ao Luiz Bras, “No futuro, todos estarão em listas de 15 livros”, frase de Andy Warhol, que nunca disse isso, mas segundo o ChatGPT 4, poderia muito bem ter dito. E, parafraseando Nelson Rodrigues (alguém aí ainda lembra quem foi Nelson?), se os fatos não dizem isso, “pior para os fatos”. Vida (artificial) que segue.