Que eu leio praticamente todos os dias vocês já devem saber. Não sei se sabem, porém, que eu tenho um leque muito amplo de interesses, e que todos os dias eu encontro algo diferente e inusitado que me atrai o olhar.
A bola da vez (ou deveria dizer a pedra da vez?) é o livro Mountains of the Mind: Adventures in Reaching the Summit, de Robert MacFarlane, que estou usando na pesquisa para escrever meu romance mais recente. Escritor e documentarista, MacFarlane nos leva por uma viagem vertical vertiginosa, contando histórias de sua vida e de outros exploradores e alpinistas com o objetivo de nos explicar como foi que surgiu esse interesse alucinado do ser humano em escalar montanhas.
O livro é uma delícia de ler: MacFarlane faz uma arqueologia do alpinismo por intermédio de livros e relatos que vão desde o século dezoito (que é quando as pessoas começam a prestar atenção nas montanhas como algo além de acidentes geográficos supostamente criados por Deus) até os grandes exploradores do século vinte, como Mallory e Hillary. Mas tem de um tudo: de Rousseau e John Ruskin a Lorde Byron e Charles Lyell. De geologia a masculinidade tóxica (o que havia e ainda há de sobra entre os homens que se arriscam em altos picos), passando por história da arte e filologia, MacFarlane nos oferece um vasto panorama da história recente por intermédio das montanhas, que ao fim e ao cabo, segundo ele num arroubo que bem poderia ser budista, são mais um produto da nossa mente que da natureza.
Acabo de ver nas redes que a escritora Nicola Griffith (autora de Ammonite e Hild, entre outros livros de impacto profundo na ficção científica e histórica) vai entrar para o Hall da Fama da Ficção Científica e Fantasia do Museum of Popular Culture de Seattle. É uma tremenda honra e um tremendo museu (estive lá em 2013), e Nicola vai receber a honraria junto com outra gigante, Nnedi Okorafor, mais conhecida do público brasileiro.
Lendo a respeito no blog dela, dou de cara com a seguinte citação que ela faz de outro homenageado de anos atrás, ninguém menos que William Gibson:
Eu sou nativo da FC, mas não um residente.
Hoje mesmo, conversando com minha mulher sobre o impacto que foi o filme Fausto Fawcett na cabeça (mais sobre isso em outro post), eu falava sobre como a ficção científica é algo que faz parte da minha vida (e eu faço parte da ficção científica, Patrícia acrescentou), mas que não é tudo. Ainda tenho muito chão a percorrer nesse país, mas cada vez mais tenho me aventurado por outros territórios, inclusive o da não-ficção, em que tenho pelo menos dois livros planejados até 2026. Gibson, sempre elegante, resumiu muito bem aquilo que eu penso e sinto: sou nativo desse país literalmente fantástico que é a ficção científica e não moro mais nele em tempo integral. Mas ostento com orgulho meu passaporte.
Hoje entrou no ar o episódio 98 do podcast Viva Sci-Fi, do Tiago Meira, do qual tenho o prazer de participar como co-host desde a edição 45, há pouco mais de dois anos. O tema foi a comemoração dos quarenta anos de publicação de Neuromancer, de William Gibson. Acho que foi o episódio em que eu mais falei (desculpe, Tiago): afinal, não sou apenas um fã, mas também traduzi esse livro, e ele está praticamente no meu DNA. Foi graças a ele que minha escrita tomou um outro rumo, em 1989, e eu acabaria sendo conhecido no meio literário como um escritor cyberpunk (e depois steampunk).
Mas uma coisa que eu procurei deixar bem clara no episódio é que está tudo bem se você não gosta desse livro. O próprio Gibson já declarou em várias entrevistas que ele acha o livro fraco hoje em dia, e de certa forma ele tem razão. Se comparado com seus livros mais recentes, especialmente Reconhecimento de Padrões e Periféricos, isso faz todo sentido.
Eu defendo que Neuromancer é um bom livro no sentido de que ele foi um marco importante, um divisor de águas na literatura do gênero, e não faz a menor diferença se os termos técnicos usados por Gibson estão errados ou datados. A título de comparação, dá pra dizer que Moby-Dick é um livro ruim porque a navegação marítima de hoje não é a mesma de 150 anos atrás? Pois é.
A questão do estilo mereceria ser discutida à parte. Eu abordo isso parcialmente no meu livro A Construção do Imaginário Cyber (fruto do meu mestrado e atualmente esgotado), mas também não importa: gosto não se discute. Se você acha que Neuromancer é mal escrito, você está errado, mas tudo bem. O livro simplesmente não é fácil de ler hoje em dia.
Mas numa coisa os críticos recentes têm acertado: algumas coisas não fazem mesmo sentido no romance, que é basicamente uma heist novel ambientada no futuro próximo. Heist movie é como os americanos chamam um filme de roubo, mas não um roubo qualquer; heist é aquele roubo bem arquitetado, geralmente com uma gangue de especialistas, para arrombar um cofre-forte de segurança máxima em algum lugar virtualmente inacessível.
E é exatamente isso o que Neuromancer é. Case, Molly, Armitage e o Finlandês se juntam para roubar uma inteligência artificial da empresa que a criou. No caso, a Tessier-Ashpool, que mantém a IA presa dentro de um mainframe numa estação orbital.
Faz sentido? Não. Afinal, todo mundo sabe que um programa de software (e grosso modo, é isso o que uma IA é) não está preso a um computador físico, pelo menos não de modo definitivo. Graças à web, o sistema de wifi e à computação em nuvem, um hacker hoje em dia faria uma cópia do programa e pronto, não seria sequer preciso roubar nada físico ou desconectar algo do sistema. Mas William Gibson não tinha como saber disso porque não só o ciberespaço como ele o descreve jamais existiu (e dificilmente existirá), mas a World Wide Web, o sistema de wifi e a cloud computing simplesmente não existiam em 1984.
Então só agora, depois do podcast gravado (desculpe mais uma vez, Tiago) me dou conta de que não lancei o argumento mais importante para se defender Neuromancer: ele virou um romance histórico. Evidentemente que não é um romance histórico tradicional, como Wolf Hall ou Os Pilares da Terra, mas um livro que relata coisas com o ponto de vista de um usuário da tecnologia da época em que foi escrito. E só por isso já valeria, já vale, a leitura. Porque é preciso entender o contexto da obra.
Hoje começo um curso novo: MARK FISHER: PENSADOR DA CULTURA POP. O título é uma homenagem ao livro seminal de Renato Mezan sobre Freud. Nele, Mezan traça uma biografia intelectual do pai da psicanálise para nos mostrar como aquele homem, que viveu na Viena do fin-de-siécle, poderia ter criado conceitos como o Complexo de Édipo, por exemplo.
Gosto muito de biografias. Gosto mais ainda das biografias do tipo “Life and Times”, que explicam o entorno, a época e o lugar em que o biografado nasceu e se criou, para nos mostrar que tudo, ou quase tudo é contexto. E gosto sobretudo das biografias intelectuais, que nos mostram o que a pessoa biografada consumiu de informação e cultura.
Penso isso enquanto releio Althusser e Gramsci, duas influências na vida de Fisher, e ouço muito post-punk, estilo de minha preferência e também da dele. Uma biografia intelectual de Fisher não seria má ideia. A se pensar.
Já faz um tempo que assinei o streaming da BritBox, que contém quase tudo da BBC e da iTV. É um streaming bem eficiente, particularmente se considerarmos que a BBC, que aderiu ao Brexit com força, foco e fé, simplesmente não aceita que ninguém de fora do Reino Unido assine seu streaming oficial. A BritBox britânica, aliás, fechou há alguns meses, restando apenas a americana, que é a que eu assino. Mas eu nem teria assinado o canal da terra do rei, porque por incrível que pareça eles não tinham o que eu estava procurando: a série clássica de Doctor Who.
Para quem não sabe: a série britânica do alienígena viajante do tempo e do espaço, que completou 60 anos em 2023, é dividida agora oficialmente em três séries: a chamada Clássica, que vai desde a criação do programa de TV em 1963 a 1989, a nova, que durou de 2005 a 2022, e a novíssima, produzida em parceria com a Disney +, e que acaba de fechar sua primeira temporada. Eu já havia assistido a quase todos os episódios da nova; não vi todos os de Peter Capaldi e Jodie Whittaker e não sei quando verei porque eles não estão mais disponíveis em nenhum streaming nacional ou estrangeiro, com a exceção do BBC iPlayer.
Mas agora, graças à BritBox, estou matando uma vontade de anos e assistindo aos episódios clássicos, desde o começo.
Infelizmente o começo é um tanto atribulado: dos quase 900 episódios da série inteira, faltam 97, que foram apagados dos arquivos da BBC nos anos 1960 (naquele tempo o armazenamento era em fitas magnéticas, não existia ainda o arquivamento digital). Esses episódios são todos dos primeiros dois doutores, período de 1963 a 1969. E hoje cedo cheguei ao fim dos episódios do Segundo Doutor (Patrick Troughton).
Por conta da confusão dos episódios inexistentes, a quantidade de saltos na cronologia é muito grande, e isso me incomoda profundamente (mente autista, relevem). Vi pouca coisa do Primeiro Doutor (William Hartnell) e um pouco mais do Segundo. A série foi melhorando ao longo desses seis primeiros anos, e o último serial do Segundo Doutor, The War Games, é bem acima da média dos episódios anteriores. O roteiro, escrito por Terrance Dicks (que viria a se tornar um dos mais importantes autores da série, inclusive escrevendo novelizações de episódios e livros com histórias originais de Doctor Who) e Malcolm Hulke, compensa a precariedade dos cenários e as péssimas coreografias de luta e de corre-corre (que me lembraram das chanchadas da Atlântida). É também esse serial que lança o conceito dos Time Lords e mostra pela primeira vez, ainda que num cenário pequeno, o mundo natal do Doutor, Gallifrey (que ainda não tinha esse nome naquele momento).
Eu já tinha dito num artigo para o site Webinsider que a série me provoca uma espécie de nostalgia retroativa, pois embora eu já tivesse ouvido falar de Doctor Who desde a adolescência, a série só começou a ser exibida no Brasil a partir da nova, de 2005, quando eu já tinha 39 anos. Mas sinto um quentinho no coração e um fibrilar nos neurônios, que parecem criar configurações novas e inventar memórias de uma infância alternativa em que eu falava inglês e morava numa casinha modesta de dois andares em Marble Arch, em Londres. É uma sensação curiosa – e boa.
(e agora com licença, que vou começar as aventuras do Terceiro Doutor)
No post anterior, associei Mark Fisher a David Graeber e mencionei seu livro Dívida: os Primeiros Cinco Mil Anos, num breve pensamento sobre como o Capital nos controla. Dívida foi publicado em originalmente em 2011 (saiu aqui no Brasil em 2023, com tradução de Rogério Bettoni) e é de certa maneira um livro-irmão da sua obra póstuma, O Despertar de Tudo.
Neste último livro, escrito a quatro mãos com o arqueólogo David Wengrow, Graeber (que era antropólogo) apresenta uma visão diferente do passado das civilizações humanas. Ao contrário do que aprendemos na escola, onde somos levados a acreditar que a história da humanidade é sempre linear, ou seja, um caminho reto que leva de culturas menos avançadas para outras mais avançadas com o passar do tempo, os autores procuram mostrar, com diversos exemplos, que a história não caminha assim. Existem avanços e retrocessos, construções e desconstruções (e destruições), e processos políticos e sociais muito diferentes uns dos outros mas que coexistem no mesmo espaço de tempo.
Com Dívida a lógica é a mesma. A capa da edição brasileira afirma que o livro é “uma história alternativa da economia”. Não é exatamente isso, mas faz um certo sentido: Graeber entra fundo na questão da dívida e de seu perdão, analisando diversas sociedades desde a Mesopotâmia a fim de tentar entender o que é o dinheiro como conceito e como o conceito de dívida já existia antes mesmo da moeda física aparecer na história.
Graeber é de uma honestidade intelectual a toda prova. Ele nunca afirma cabalmente saber de tudo – uma crítica que ele faz a outros autores na introdução ao O Despertar de Tudo, ainda que em Dívida ele não faça isso. Mas não deixa de ser interessante observar que em introduções e prefácios os autores costumam justamente fazer um inventário dos pesquisadores que vieram antes e dos quais eles se sentem devedores (pensem em Isaac Newton e sua famosa frase sobre os ombros de gigantes), e Graeber opta por não fazer isso nesse livro.
Mas como antropólogo, Graeber acaba sendo de certa forma devedor a outros como Malinowski e Mauss, que foram os fundadores do ramo da antropologia econômica. E, como eles, Graeber é um excelente narrador: em mais de 500 páginas ele nos conta muitas histórias sobre a questão da troca (e de como o escambo nas sociedades primitivas não é bem do jeito que aprendemos nos livros) e da dádiva, entre outras coisas. Histórias aqui no melhor sentido: o que Graeber faz é procurar dissipar mitos e nos apresentar uma outra dádiva, a da dúvida; as coisas não foram do jeito tão certinho quanto sempre nos foi ensinado. Não se sabe exatamente o que havia antes, principalmente onde não sobreviveram registros – e é essa sinceridade brutal, essa rude franqueza que Graeber nos dá neste livro. Talvez por isso ele não faça tanto sucesso quanto autores como Yuval Harari, porque não nos dá certezas históricas quanto ao passado remoto. Mas Dívida nos dá a certeza de que praticamente tudo o que pensávamos saber a respeito de como o dinheiro e as dívidas surgiram no mundo está errado.
Pensando em escrever um artigo sobre Mark Fisher e David Graeber como dois suicidados pela sociedade, à maneira de Antonin Artaud. O primeiro literalmente; o segundo de modo figurado, mais pelo estresse cotidiano. Mas ambos são vozes neste deserto de ideias do século 21, vozes que são abafadas pela linguagem-linkedin de autores como Yuval Harari e Slavoj Zizek (ainda que este último seja um filósofo sério, apesar da questão da celebridade).
Mas sério: lendo Graeber agora em seu livro Dívida e relendo Realismo Capitalista de Fisher, não consigo parar de pensar em como absolutamente tudo o que nos cerca é regido pela sombra titânica do Capital, tão completamente que qualquer pensamento em contrário é dispensado como bobagem ou talvez loucura (Foucault, here’s looking at you kid), e todos seguem a lógica de Wittgenstein, que dizia que sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar.
O que não se pode falar é que o capitalismo é um sistema indefensável e terrível para 99 por cento da humanidade, mas que ainda assim o seguimos por acreditar que “não há alternativa” (palavras pavorosas de Margaret Thatcher nos anos 1980). Eu também acredito que não há, pelo menos não nas próximas gerações – ainda mais com o fascismo nosso de cada dia, que saiu dos esgotos alguns anos atrás e não vai voltar para lá. Aos que dizem “não passarão”: eles já passaram.
Então o que nos resta? Dançar um tango argentino? Sim, isso: dançar muito, comer bem, beber e fumar o que se quiser, fazer muito amor que amor não faz mal, e se possível não vender sua alma, que ela pelo menos ainda não precisa ser vendida. Resta-nos documentar, registrar, deixar nossa marca no mundo, para que um dia arqueólogas futuras saibam que, eras antes, houve alguém que disse: eu não me conformo.
(PS: a Masterclass Mark Fisher foi cancelada porque Patrícia estava se sentindo mal desde quinta. Achamos que fosse Covid; o teste deu negativo, mas ela precisava descansar e por isso optei pelo cancelamento. Mas darei um curso online em breve.)
Junho foi um mês ligeiramente acima da média (32 filmes assistidos), o que me surpreendeu bastante porque foi o mês em que passei quase 15 dias na China e lá eu quase não vi filme nenhum (apenas dois, e no celular), mas como não durmo em viagens de avião, os filmes que assisti a bordo compensaram os que deixei de ver em terra. Vamos a eles.
Langlois – Roberto Guerra e Eila Hershon Assault on Precinct 13 – John Carpenter Ungentle – Huw Lemmey, Onyeka Igwe Senhoritas em Uniforme- Leontine Sagan The Legend of Hell House – John Hough Pino – Walter Fasano Bob Marley, One Love – Reinaldo Marcus Green Tár – Todd Field L’Innocent -Louis Garrel The Banker – George Nolfi Os Sonhadores – Bernardo Bertolucci Forbidden Planet- Fred M. Wilcox Delta Space Mission – Mircea Toia e Calin Cazan Andrey Tarkovsky – A Cinema Prayer – Andrei A. Tarkovsky The Fantastic Beautiful – Simon Aboud Downton Abbey, o Filme – Michael Engler Elis e Tom – só tinha de ser com você – Roberto de Oliveira She Came to Me – Rebecca Miller Império da Luz- Sam Mendes Mussum, o Filmis – Silvio Guindane The Asphalt Jungle- John Huston Remembering Gene Wilder – Ron Frank Divertida Mente 2 – Kelsey Mann (cinema) The Quiet Earth – Geoff Murphy Black Barbie, a Documentary – Lagueria Davis Herança – Vaughn Stein Phase IV – Saul Bass Sorcerer – William Friedkin Berberian Sound Studio – Peter Strickland Feito na Inglaterra: os Filmes de Powell e Pressburger Años-luz – Manuel Abramovitch Sob as Águas do Sena – Xavier Gens
Estatísticas:
. Dos 32, apenas 4 foram dirigidos por mulheres: dois documentários, um deles a quatro mãos, e duas ficções. Muito pouco, mas isso agora vai acabar (mais sobre isso no fim deste post).
. Dos 32, eu já havia assistido seis. Os que mais revi foram Downton Abbey (sou fã confesso da série, já revi três vezes) e The Quiet Earth, um filme de ficção científica independente e muito bom, que vi em VHS pouco depois de seu lançamento e alguns anos mais tarde não lembro mais onde. Só sei que, ao rever agora, constatei que não lembrava quase nada mais, e isso acabou sendo ótimo, pois preservou o sense of wonder.
. Com Patrícia novamente assisti apenas a um filme em junho, Divertida Mente 2 – que foi bacana e divertiu, mas apesar de seguir uma fórmula que tem tudo para agradar, desta vez ficou aquém do primeiro, com uma premissa muito boa mas uma execução simplista e muito direta, que poderia ter sido um curta.
. Este mês foi particularmente interessante em termos de idiomas: foram nove filmes falados em idiomas que não o inglês. Um em romeno, um em russo, um em espanhol, um em alemão, um em italiano e dois em francês (na verdade um e meio, porque Os Sonhadores é falado em francês e inglês), e dois em português, vejam vocês. O documentário Elis e Tom e a biopic Mussum, o Filmis, dois filmes que me agradaram muito e contribuíram para reduzir meu incômodo patológico em ver filmes brasileiros (que é algo recente e nada tem a ver com a qualidade dos filmes brasileiros, que são espetaculares).
Como nos demais meses, os filmes foram listados na ordem em que os assisti, sem classificação de qualidade; entretanto, me reservo o direito de recomendar que vejam os que mais gostei e, da mesma maneira, sugerir que passem longe dos que não gostei. A saber:
Os que mais gostei:
. The Legend of Hell House – ou, A Casa da Noite Eterna, como ficou conhecido no Brasil. Vi esse filme no meu primeiro cinema poeira, o cinema da Igreja Nossa Senhora do Carmo, na Zona Norte do Rio, onde fui batizado e que nos anos 1970 abrigaria no subsolo um cineminha onde vi pela primeira vez A Noviça Rebelde, O Poderoso Chefao e Zardoz, entre muitos outros. Este filme, baseado num livro de Richard Matheson, tem uma história bem acima da média dos filmes de terror da época, embora com uma certa exploração do corpo feminino que hoje é de mau gosto mas que, confesso, me agradou na adolescência. A história, porém, está acima disso tudo e ainda se sustenta depois de 50 anos.
. She Came to Me – vi esse filme de Rebecca Miller no avião voltando para o Brasil, e que surpresa agradável foi ver Peter Dinklage como compositor de ópera em crise (e sem nenhuma menção à sua altura, pois não faz diferença na história) num filme em que o homem faz as cagadas habituais no relacionamento mas desta vez para, escuta, pede desculpas e busca aprender. Eu sei, quase dei um spoiler agora, mas vale muito a pena.
. Assault on Precinct 13 – Eu nunca tinha visto esse filme de John Carpenter. Aproveitei que o Criterion Channel está exibindo um especial temático Synth, só com filmes cujas trilhas sonoras são de música eletrônica, e devorei esse filme (se usa “devorar” com filmes? Sei que se usa com livros e de agora em diante usarei também para filmes). O filme é literalmente uma porrada, com cenas ainda hoje impactantes (a do carrinho de sorvete é muito ousada, ainda nos dias de hoje). Recomendo.
Corra que o filme ruim vem aí:
. Bob Marley, One Love – Quando vi o trailer no cinema, fiquei muito a fim de ver. Mas acabei vendo no avião e, acreditem, foi melhor assim. O filme não é constrangedor, mas é bem clichê e rende como uma Sessão da Tarde para maconheiros (isso não é uma crítica; nada contra, pelo contrário).
. The Fantastic Beautiful – Esse filme foi uma grande decepção. Só atores bons (Jessica Brown Findlay, Andrew Scott e o recém-falecido Tom Wilkinson) e um roteiro que vai bem até a metade, depois descarrilha que é uma beleza de acidente. Capacitista (porque mostra uma moça autista mas que vai aos poucos meio que deixando de ter características autistas por conta de vários fatores externos, o que não faz o menor sentido) e machista (porque a moça é assediada por um rapaz intrusivo, arrogante – e porco – que ainda por cima a trai, mas no fim ele se desculpa e tudo bem, ela volta pra ele). Passem muito longe deste.
. Sob as Águas do Sena – Ok, esse nem valeria colocar aqui. Apesar de ter Berenice Béjo no elenco, é um filme feito pra ser blockbuster de Netflix, e nessa categoria ele não faz feio. Mas os CGIs do tubarão comendo gente são over de um nível Sharknado, só que sem a mesma autoparódia – e mesmo nos filmes mais “descolados”, os franceses conseguem ser reaças, colocando os ecologistas como jovens irresponsáveis (todos brancos de classe média, até aí ok) e a valorosa polícia fluvial como os grandes herois do pedaço (todos negros e árabes, o que é bem bacana, mas pena que eles acabam se vendendo ao sistema e se revelando tão autoritários quanto os brancos). É pra tirar o cérebro da cachola antes de ver.
O DESAFIO DE JULHO: Isto aqui é novo: eu venho falando desde o fim de 2023 que quero ler mais livros escritos por mulheres e ver mais filmes dirigidos por mulheres ou com mulheres protagonistas fortes – mas falar é fácil. Patrícia, sempre perspicaz, percebeu e me propôs um desafio gamificado (palavras dela): ela me propôs procurar ativamente filmes com mulheres protagonistas e/ou na direção e deu até um número: eu devo assistir no máximo 20 por cento de filmes dirigidos por homens ou com protagonismo masculino. Desafio aceito: já comecei o mês bem, com três filmes bacanas, todos com mulheres incríveis à frente do elenco. Mais sobre isso em breve.
Este blog andou abandonado; muito trabalho na faculdade, mas não só. Nos últimos tempos tenho repensado várias coisas na vida, inclusive como conciliar literatura e carreira acadêmica. Entrei 2024 com dois novos livros de ficção e alguns artigos acadêmicos escritos e publicados. A balança está pendendo mais para a academia este ano, embora eu esteja pelo menos com mais dois livros que provavelmente sairão até o fim do ano. A partir de 2025, porém, a produção literária deverá ser mais contida, com pouca coisa saindo – talvez um livro somente, talvez nem isso.
Mas o blog continua, e a ideia é que ele seja atualizado com mais frequência neste segundo semestre de 2024. Entre outros posts, a já indefectível relação de filmes assistidos ao longo de cada mês, mas também um relato mais detalhado da minha viagem à China no começo de junho e reflexões sobre meus temas atuais de pesquisa, que envolvem teoria geral dos sistemas (e os chamados romances de sistemas), utopias logísticas e o pensamento de Mark Fisher. Sobre este último, aliás, vou ministrar uma Masterclass na livraria Tapera Taperá no sábado, 6 de julho. Inscrições aqui.
Fechei maio com 28 filmes assistidos. Nada mal pra quem vive de assistir filme picotado: não sei se expliquei direito no post dos filmes de março, mas eu costumo parar no meio de um filme por qualquer motivo que me dê na telha, e aí retomo no dia seguinte. Claro, tem dias em que não consigo retomar, mas quase sempre eu compenso. Comecei junho já vendo dois no mesmo dia – mas sobre isso eu falo quando chegar a hora. Os filmes de maio são estes:
O Franco-atirador – Michael Cimino Crítico – Kleber Mendonça Filho O Sabor da Vida – Tran Anh Hung (cinema) Os Segredos dos Neandertais – Ashley Gething Life – Anton Corbijn Expresso para o Inferno – Andrei Konchalovsky Ó Pai ó 2 – Viviane Ferreira Le Chant du Loup – Antonin Baudry In the Land of Saints and Sinners – Robert Lorenz Squaring the Circle (the story of Hipgnosis) – Anton Corbijn O Planeta dos Macacos – A Origem – Rupert Wyatt Planeta dos Macacos – o Confronto – Matt Reeves The Physician – Phillip Stoltz Planeta dos Macacos – a Guerra – Matt Reeves Loving Highsmith- Eva Vitija Carol – Todd Haynes Planeta dos Macacos (1968) – Franklin J. Schaffner O Cair das Folhas – Alice Guy-Blaché The Beekeeper – David Ayer De Volta ao Planeta dos Macacos – Ted Post Fuga do Planeta dos Macacos – Paul Dehn Madame Web – S. J. Clarkson Tokyo-Ga – Wim Wenders A Conquista do Planeta dos Macacos – J. Lee Thompson A Batalha do Planeta dos Macacos- J. Lee Thompson The Great Magician – Derek Yee Heaven’s Gate – Michael Cimino Repeat Performance- Alfred L. Werker
Estatísticas:
. Dos 28, cinco foram dirigidos por mulheres. Teve de um tudo: dois documentários, dois longas e o único curta até o momento. Curtas não são o objetivo deste projeto, mas coloquei aqui porque foi um da pioneira Alice Guy-Blaché, então está mais do que valendo. No mais, foi no mínimo curioso (estou sendo irônico) perceber que Madame Web não foi um filme tão ruim assim (é fraco, mas não é constrangedor), e que a crítica completamente devastadora que li meses atrás provavelmente foi escrita por um misógino. Então que se foda, né?
. Dos 28, eu já havia assistido exatamente 10, entre os quais todos os da saga do Planeta dos Macacos, tanto os originais quanto os novos, e o genial Portal do Paraíso (Heaven’s Gate), pelo qual Michael Cimino foi tão injustamente massacrado. Agora percebo que nunca coloquei esse filme na minha lista de dez mais, mas na verdade ele sempre esteve lá, desde que o vi pela primeira vez ainda na adolescência, numa madrugada da Globo. Desde então, revi pouco (não mais que cinco vezes), mas agora ele vai entrar para a minha relação de filmes a ver pelo menos uma vez por ano, como Casablanca e Lawrence da Arábia.
. Eu assisti apenas um filme com Patrícia no mês de maio: o belíssimo O Sabor da Vida, com Juliette Binoche. O filme traz um tema caro ao diretor, o mesmo do lindo O Cheiro do Papaia Verde, e também a nós dois: a culinária. É filme pra sair do cinema não só com fome, mas também com vontade de cozinhar – e é o que eu tenho feito este mês. Ainda estou muito longe do ideal, mas eu chego lá.
. Apenas seis filmes são falados em idiomas que não o inglês: um em português, um em japonês/alemão/inglês, outro em inglês/francês/português dois em francês e um em mandarim.
. Dois filmes brasileiros: Ó Pai Ó 2 e Crítico.
Como nos demais meses, os filmes foram listados na ordem em que os assisti, sem classificação de qualidade; entretanto, me reservo o direito de recomendar que vejam os que mais gostei e, da mesma maneira, sugerir que passem longe dos que não gostei. A saber:
Os que mais gostei:
. O Franco-Atirador – eu nunca tinha visto esse filme até mês passado. E me arrependi por não tê-lo visto antes. Michael Cimino foi um diretor genial – e genioso, como muitos, o que não facilitou a passagem dele por Hollywood e por este mundo e, desconfio, ajudou a fazer com que os filmes dele sejam imensamente subestimados.
. Crítico – esse documentário que o Kleber Mendonça Filho fez antes de seus longas é uma inspiração. Revi mais duas vezes este mês, porque tive que passar para minhas turmas de oficina de texto jornalístico na faculdade. Fundamental para quem realmente gosta de cinema.
. O Sabor da Vida – pelos motivos elencados mais acima. Se não der pra ver no cinema, não percam quando chegar ao streaming.
. Squaring the Circle – Anton Corbijn é um diretor do qual eu gosto praticamente de tudo. Este documentário, sobre a história do duo de designers Hipgnosis, responsável pela clássica capa de The Dark Side of the Moon (e de quase tudo do Pink Floyd nos anos 1970 e 1980, além de Led Zeppelin e uma porrada de outros grupos da época) é um deslumbre. Como alguém que é uma negação como designer mas adora todo o processo de criação dos designers, fiquei absolutamente fascinado. Vale muito a pena.
. Repeat Performance – esse é um filme do qual eu não sabia absolutamente nada até ler a crítica do meu amigo Sylvio Gonçalves no Facebook. Fui conferir no Criterion Channel: esse filme de 1947 é um honradíssimo precursor da série Além da Imaginação. É um roteiro quase perfeito, e entre os atores está um Richard Basehart novinho, em seu primeiro papel, que é considerado uma das interpretações de personagens queer mais delicadas e comoventes daquela época, e eu concordo.
. Heaven’s Gate – fecho com Michael Cimino novamente. Aliás, se não fosse pelo filme acima, eu teria começado a encerrado o mês com Cimino e estaria muito bem pago. Esse filme desbancou Blade Runner nos meus Top 3, e agora está no pódio com Casablanca e Lawrence da Arábia – todos os três histórias de homens que lutaram mas só conheceram o fracasso. Faz um certo sentido eu gostar tanto desses filmes, mas sobre isso eu falo com meu analista outro dia.
Corra que o filme ruim vem aí:
Maio foi ainda melhor que abril: muito filme bom, alguns filmes-pipoca (além de Madame Web, The Beekeeper é bacana, uma tentativa bem interessante de Jason Statham virar um novo John Wick) e somente um filme que eu classificaria como constrangedor. Infelizmente é um filme brasileiro. Ó Pai Ó 2 é uma daquelas sequências que não precisavam existir. Não tem um décimo da potência do primeiro (que ainda me faz pular da cadeira e dançar), e parece ser feito como uma ação entre amigos. Por esse motivo, e somente por esse motivo, eu acho que o filme é válido. Porque resgata do anonimato muitos atores que participaram do primeiro filme. Então deixemos como está.