Filmes de Novembro

Este mês foi mais fraco que outubro (23 filmes), mas bastante satisfatório em termos de escolhas. O desafio, como proposto por Patrícia, continua, e desta vez foi bastante auxiliado por uma série de documentários muito interessantes de Mark Cousins, dos quais eu já tinha visto o primeiro episódio no mês anterior. Talvez eu devesse dizer que na verdade vi 22 filmes, pois não vi Megalopolis até o fim. Contudo, como eu e Patrícia saímos do cinema aos 60 minutos cravados, dou como visto porque sim, e vou falar (mal) dele mais embaixo. Vamos então aos filmes:

Women Make Film, episódio 2 – Mark Cousins
The Light That Failed – William A. Wellmann
Women Make Film, episódio 3 – Mark Cousins
Megalopolis – Francis Ford Coppola
Women Make Film, episódio 4 – Mark Cousins
The Linguini Incident – Richard Shepard
They Drive by Night – Raoul Walsh
Women Make Film, episódio 5 – Mark Cousins
A Substância – Coralie Fargeat
O Criado – Joseph Losey
Women Make Film, episódio 6 – Mark Cousins
The Sense of an Ending – Ritesh Batra
Blithe Spirit – David Lean
Women Make Film, episódio 7 – Mark Cousins
Miss Fisher and the Crypt of Tears – Tony Tilse
Between a Frock and a Hard Place – Alex Barry, Paul Clarke
L’Ombra di Caravaggio – Michele Placido
Women Make Film, episódio 8 – Mark Cousins
Alien: Romulus – Fede Alvarez
Women Make Film, episódio 9 – Mark Cousins – 300
Blitz – Steve McQueen
Larisa – Elem Klimov
O Dia do Chacal – Fred Zinnemann

Estatísticas:

. Dos 23, eu só havia visto antes um filme, que foi o último. Na adolescência li O Dia do Chacal, de Frederick Forsyth, e adorei. Pouco depois vi o filme numa madrugada da Globo, mas não lembrava até que ponto era fiel ao livro. É muito fiel, com a exceção da penúltima cena, da morte do Chacal, feita para ser violenta e chocante mas que hoje achei muito exagerada. De resto, foi muito bom ter visto os filmes deste mês pela primeira vez, e sei que para vários deles não será a última.

. Só vi um filme com Patrícia, e também um filme somente no cinema: foi justamente o famigerado Megalopolis. Achamos tão ruim que saímos antes da metade.

. Idiomas: foi um dos meses mais fracos, talvez o mais fraco de todos. 21 filmes em inglês, um em italiano e um documentário em russo. Quero voltar a ver mais filmes em outros idiomas: isso está na lista para 2025.

. Em termos de filmes de/por mulheres, a série de docs Women Make Film é genial e eu recomendo fortemente. Apesar de dirigida e roteirizada por um homem, o trabalho de Mark Cousins (que inclusive esteve este ano aqui no Brasil) vale muito a pena, pois é um pesquisador muito interessado em fornecer perspectivas não-hegemônicas para o cinema, e ele faz isso muito bem nessa série. Foi com essa série que conheci várias diretoras, cuja cinematografia estou começando a ver agora. No total, foram 8 desses documentários, mais quatro filmes protagonizados por mulheres (The Linguini Incident, A Substância, Miss Fisher e Larisa), sendo um total de 12 entre 23 e uma percentagem de 52%.

Os que mais gostei:

. Toda a série de documentários Women Make Film. Não vou parar de elogiar essa série pela quantidade de diretoras que apresenta. Deverei falar muito a respeito dos desdobramentos disso nos próximos meses.

. The Linguini Incident – esse filme andou sumido por anos e agora voltou num corte especial do diretor, trinta anos depois. Os protagonistas são Rosana Arquette e David Bowie, numa comedinha nonsense muito bonitinha num ambiente super descolê de Nova York do começo dos anos 1990: o que há para não gostar? Para a minha geração, esse teria sido um filme cult, mas eu só fiquei sabendo de sua existência há uma década, porque se passou nos cinemas brasileiros passou batido. Não sei se a galera mais jovem vai gostar; desconfio que não. Mas eu gostei, e é isso o que importa aqui.

. Larisa – esse documentário póstumo da grande diretora soviética, feito por seu marido, o diretor do genial Vá e Veja, me fez chorar. Larisa Shepitko foi uma diretora tão genial quanto Elem Klimov, talvez mais. Comecei a ver seu filme mais famoso, A Ascensão, mas parei na metade e pretendo rever do começo em dezembro. Mas já digo que é um filmaço de II Guerra Mundial.

Corram que o filme ruim vem aí:

. MEGALÓPOLIS – este mês foi muito bom porque não vi nenhum filme realmente ruim, a não ser o misto de acidente aéreo com terrestre (e naval) que é esse descarrilhamento de cinematografia. Continuo adorando Coppola, e admiro muito o sujeito pela coragem e desfaçatez de ligar o mais absoluto FODA-SE para todo mundo, inclusive a audiência, no que desconfio ter sido a trollagem mais cara da história. Eu e Patrícia detestamos, não só pelo roteiro excessivamente didático e bastante desconjuntado e irregular em termos de timing e atuações como também pelo assalto aos sentidos, o que infelizmente fez com que nós dois (eu autista e ela com transtorno de processamento sensorial) começássemos a passar mal numa cena de festa aos sessenta minutos de filme, o que nos fez sair quase correndo da sala. Não fosse isso eu teria ficado até o fim, mas a experiência como um todo foi bastante ruim para mim. Honestamente, embora eu pense em arriscar de novo uma olhada quando for para o streaming, não sei se vou fazer isso.

recuerdos de Madureira

. o curso de inglês do CCAA que levei oito anos para terminar (e cujo último semestre fiz no Méier);

. os saudosos cinemas:

Madureira 1 e 2 – onde vi King Kong (o de 1976), Star Wars, Superman I, II (onde encontrei uma colega do inglês que era a cara da atriz Beth Goulart e pela qual eu era a fim, mas nunca ficamos), III (o pior filme da minha vida até eu ver Highlander II em Londres), Os Caçadores da Arca Perdida, Batman (o primeiro com Michael Keaton, com a sala tão lotada que assisti sentado num degrau), Rocky II (só fui ver o primeiro na íntegra há pouco tempo, no streaming), com direito a uma briga de socos entre dois rapazes no fim do filme, de rolar os degraus da sala enorme. Fui barrado em Hair e Blade Runner (que tinham censura 18 anos), mesmo com uma carteira de estudante pessimamente falsificada. Também vi Galactica – Astronave de Combate (do tempo em que os pilotos de séries de TV de scifi passavam no cinema). E ainda: O Exterminador do Futuro (eu tinha visto o cartaz na saída da exibição de Superman II e lembro que fiquei muito empolgado para ver) e Muito Além do Jardim, que fui esperando ser uma comédia e saí de lá em depressão. Outros que me marcaram: O Céu Pode Esperar (a versão com Warren Beatty) e Os Embalos de Sábado à Noite. O primeiro filme que vi nele foi a animação Robin Hood, da Disney; não lembro qual foi o último.

. Astor – falando em pilotos de séries, foi onde vi Buck Rogers no Século 25;

. o cinema na frente do CCAA de cujo nome não lembro mais e onde só vi um filme: Piranha 2 – Assassinas Voadoras, de um cara chamado James Cameron.

. Art Madureira – onde vi um dos primeiros filmes sozinho, Kramer versus Kramer. Também lembro de ter visto ali Inocência (e de ler nos jornais um anúncio imenso da rede Art, dizendo que dali em diante exibiram todos os filmes de Walter Lima Jr. Até hoje não sei se de fato fizeram isso, mas espero que sim.)

. havia mais cinemas em Madureira. Hoje não existe nenhum.

. Toda vez que ouço a canção de Arlindo Cruz, choro. Não volto a Madureira há uns trinta e cinco anos. Não pretendo voltar: impossível retornar ao que não existe mais.

(dedicado ao amigo Sylvio Gonçalves, que despertou essas lembranças através dessa foto e de um post no Facebook)

.

Filmes de outubro

Novembro chegou, e com ele a exaustão. Tenho muitas notícias boas e estou devendo posts aqui, mas vou compensar essa lacuna até o fim do ano. Por ora, sigo vendo meus filmes (ainda com o desafio proposto pela Patrícia), mas que neste último mês ficou bem aquém da meta desejada, em parte devido ao Halloween. Não tenho mais o hábito de ver filmes de terror, mas me dei uma folga e consegui assistir alguns que vinha desejando há um tempo. No total, foram 27 filmes, um número abaixo do que eu gostaria, mas bem melhor que o de setembro. Vamos à lista:

Heathers – Michael Lehmann
Cassino Royale – Martin Campbell
Quantum of Solace- Marc Forster
The Velvet Vampire – Stephanie Rothman
Skyfall – Sam Mendes
Entrevista com o Demônio – Cameron e Colin Cairnes
Spectre – Sam Mendes
Mad Max Fury Road – George Miller
As Últimas Mulheres do Mar – Sue Kim
O Segredo dos Anjos – Stefano Reali
No Time to Die – Cary Joji Fukunaga
Furiosa – George Miller
Someone’s Watching Me! – John Carpenter
Os Rejeitados – Alexander Payne
Sabotage- Alfred Hitchcock
X – Ti West
The Time Travelers – Ib Melchior
Atiraram no Pianista – Fernando Trueba e Javier Mariscal
Journey to the Center of Time – David L. Hewitt
Pearl – Ti West
Crise nas Infinitas Terras parte 3 – Jeff Wamester
Maxxxine – Ti West
The Fall – Tarsem
Klute- Alan J. Pakula
Women Make Film, episódio 1 – Mark Cousins
Donne della Resistenza- Liliana Cavani
A Dama de Shanghai – Orson Welles

Estatísticas:

. Dos 27, eu já tinha visto 8 antes – acho que é a maior relação de filmes repetidos que vi num mesmo mês este ano. Revi toda a série de 007 do Daniel Craig para escrever um artigo (uma das coisas que estou devendo aqui, mas em breve sai). Destes, eu vi Cassino Royale umas quatro vezes, e os demais apenas duas. Heathers e The Time Travelers eu vi apenas duas contando com estas agora, Fury Road três (sendo que duas no cinema, uma em Lisboa quando estreou, outra quando voltei ao Brasil – e as legendas de lá estavam bem melhores que as nossas, para acabar de vez com o mito de que o português de lá estraga os filmes.

. Não vimos nenhum filme no cinema em outubro. Com Patrícia vi apenas um filme na Netflix, o incrivelmente bizarro O Segredo dos Anjos, uma romcom italiana assumidamente católica. Hallmark made in Vatican.

. Idiomas: quase tudo em inglês, como sempre, com algumas ótimas exceções: As Últimas Mulheres do Mar (coreano), O Segredo dos Anjos e Donne della Resistenza (italiano), e Atiraram no Pianista (inglês e português).

. Foi um mês razoável em termos de filmes feitos e/ou protagonizados por mulheres: em que pese a genial trilogia X (o que é Mia Goth, gente? Gostei e não foi pouco), foram no total 12 de 27, o que dá 44%. Não foi o pior mês nem de longe, mas podia ser melhor. Uma coisa bacana foi a descoberta, já no finzinho do mês, da série Women Make Film, dirigida por Mark Cousins e narrada em grande parte por Tilda Swinton, sobre mulheres cineastas. Vi o primeiro episódio e fiquei fã. Já estou no episódio 5 de um total de 14 que deverei ver ao longo de novembro, então acredito que a percentagem vai subir bastante.

Como nos demais meses, os filmes foram listados na ordem em que os assisti, sem classificação de qualidade; entretanto, me reservo o direito de recomendar que vejam os que mais gostei e, da mesma maneira, sugerir que passem longe dos que não gostei. A saber:

Os que mais gostei:

. Atiraram no Pianista – a animação de Fernando Trueba e Javier Mariscal com as vozes de Jeff Goldblum e Tony Ramos (!) conta a história de Tenório Jr., notável pianista de samba-jazz que estava em turnê com Vinícius de Moraes na Argentina quando houve o golpe e se tornou um dos desaparecidos, por acidente. Triste mas muito necessário.

. The Fall – o filme cult de Tarsem (diretor do melhor clip de música de todos os tempos, Losing My Religion), que entrou para o catálogo mundial da MUBI em versão 4k, com suas imagens e cores deslumbrantes. Vale demais a pena.

. The Time Travelers – Ok, confesso, esta pérola do trash sci-fi dos anos 1960 só entra aqui por questão afetiva: eu era criança quando o vi pela primeira vez na falecidíssima TV Tupi, em algum momento dos anos 1970. Lembro que fiquei colado na tela e o final me assombrou tanto que até hoje eu me lembrava dele quase cena a cena. O resto do filme é uma bobagem danada. E teve um remake três anos depois (Journey to the Center of Time) que conseguiu ser muito pior e mudou o final de tal modo que perdeu o único charme do outro.

. Donne dela Resistenza – documentário de Liliana Cavani sobre as mulheres que lutaram contra o fascismo na II Guerra. Feito em 1965, quando o conflito ainda estava fresco nos corações e mentes de todos ali, é outro relato devastador, que eu gostaria que pudesse servir de alerta para o futuro, mas mesmo naquele momento já uma das entrevistadas afirmava que não seria o caso, pois o fascismo estava voltando à Itália com tudo. E continua.

Corram que o filme ruim vem aí:

. The Velvet Vampire – sabem aqueles filmes que são tão ruins que são bons? Não é o caso deste. Na verdade é um soft porn maldisfarçado de filme de terror, com péssimas atuações, que muito provavelmente passou em alguma madrugada da Band ou do SBT, e que eu vi porque estava no catálogo do Criterion e, ora pipocas, mulheres diretoras também têm o direito de fazer filme ruim de sacanagem, e eu quis prestigiar. Juro que foi só por isso.

. O Segredo dos Anjos – Como falei mais acima, comedinha romântica italiana católica, mas que em determinados momentos assume um tom pastelão de novela mexicana (como quando aparece o advogado de sobrancelhas grossas e pontudas supostamente sedutor mas que na verdade é um emissário demoníaco – sério? Nem tínhamos reparado).

. Journey to the Center of Time – a versão scifi do Velvet Vampire, só que sem sacanagem, e só isso já é uma puta falta de sacanagem com os espectadores. Eu na verdade achava que era este o filme que eu tinha visto na infância, mas depois constatei que foi The Time Travelers mesmo, justamente pela ausência do final impactante.

Filmes de setembro

Setembro foi melhor que agosto: lentamente vou retomando a rotina de filmes diários, que só foi interrompida porque maratonei as duas temporadas de Entrevista com o Vampiro, e fiquei mui agradavelmente surpreso com a adaptação tão diferente e ao mesmo tempo tão fiel da obra de Anne Rice. Recomendo muito.

Quanto aos filmes, se a quantidade foi maior, a proporção de filmes dirigidos, roteirizados e/ou protagonizados por mulheres foi menor. De 22 filmes, apenas 9, o que dá 40%. Longe do ideal e da proposta original de Patrícia, mas seguimos tentando. Vamos aos filmes então:

Call me Kate – Laura Tucker
No Intenso Agora – João Moreira Salles
The Miracle Club – Thaddeus O’Sullivan
Hot Fuzz – Edgar Wright
The World’s End – Edgar Wright
Working Girls – Dorothy Arzner
Agatha Christie: 100 Years of Poirot and Miss Marple – Sean Davison
Jack Absolute Flies Again – Emily Burns
Spread – Ellie Kanner
Uma Confeitaria para Sarah – Eliza Schroeder
Finishing School – Wanda Tuchock e George Nichols Jr.
Empire Records – Allan Moyle
As Montanhas da Lua – Bob Rafelson
Planeta dos Macacos – O Reinado – Wes Ball
Midnight Mary – William A. Wellmann
As Três Filhas – Azazel Jacobs
O Rei da Comédia – Martin Scorsese
What Price Hollywood – George Cukor
O Poderoso Chefão, parte 2 – Francis Ford Coppola
Delicioso- da Cozinha para o Mundo – Eric Besnard
Bed of Roses – Gregory La Cava
Licorice Pizza – Paul Thomas Anderson

Estatísticas:

. Dos 22, eu já tinha assistido 4 antes: Hot Fuzz e The World’s End, fechando a trilogia Cornetto de Edgar Wright e Simon Pegg, e já vi pelo menos umas três vezes cada. Mas o campeão absoluto é O Poderoso Chefão, aliás o filme favorito da Patrícia: tanto a parte 1 quanto a 2 (que consideramos um filme só) já foi vista por ela inúmeras vezes, e por mim apenas um pouco menos. Desta vez, vimos na área externa da CInemateca Brasileira, numa noite de frio inusitado para São Paulo no início desta primavera tão escaldante. Tanto que não aguentamos; saímos na metade e fomos ver o resto no conforto do lar, com um chocolate quente batizado com rum (ninguém é de ferro);

. O único filme visto no cinema foi O Poderoso Chefão parte 2; mas não vi todos os filmes em casa: exibi o documentário No Intenso Agora, de João Moreira Salles, para meus alunos da Oficina de Texto de Política e Sociedade. (Eles ficaram impactados.);

. Com Patrícia eu vi três filmes: O Poderoso Chefão 2, Delicioso e As Três Filhas, um drama nem sempre tão delicado sobre irmãs que se veem obrigadas a estar na casa da infância aguardando o pai morrer. É um tema pesado, mas o diretor e as atrizes souberam alternar com alguns momentos de leveza, o que torna o filme mais fácil (embora não menos denso) de ver; também vimos Uma Confeitaria para Sarah, mas não recomendo;

. Idiomas: tudo em inglês, com exceção de No Intenso Agora (em português) e Delicioso — um filme que tem no título o adjetivo certo — em francês;

. Uma curiosidade: tem uma peça de teatro filmado nesta lista. Há pouco tempo decidi assinar o streaming britânico National Theatre at Home, que oferece dezenas de peças filmadas de uma qualidade impressionante. Jack Absolute Flies Again é uma comédia de erros ambientada na II Guerra, mas adaptada de uma peça original do século 18, vejam vocês. Vale a pena assinar.

Como nos demais meses, os filmes foram listados na ordem em que os assisti, sem classificação de qualidade; entretanto, me reservo o direito de recomendar que vejam os que mais gostei e, da mesma maneira, sugerir que passem longe dos que não gostei. A saber:

Os que mais gostei:

. Spread – uma comédia leve e previsível mas muito bem realizada sobre uma moça com um bom diploma mas sem muitas opções de emprego que acaba indo trabalhar numa revista pornô e ajuda a levantar o moral (sem trocadilho) da publicação. Dirigido por uma mulher e com uma protagonista que está ótima no papel, Elizabeth Gillies; Harvey Keitel e Diedrich Bader também estão no filme. Na TUBI.

. Delicioso – uma história baseada levemente em fatos reais sobre o homem que teria criado o primeiro restaurante do mundo, na França pouco antes da Revolução de 1789; a história clássica de um fracasso e da volta por cima, com algumas reviravoltas razoavelmente previsíveis, mas ainda assim que não deixa você tirar os olhos da tela. Amazon Prime Video.

. As Montanhas da Lua – eu queria rever esse filme há mais de vinte anos; achei uma cópia de péssima qualidade e fui ver. Não me arrependi: Sir Richard Francis Burton é um dos meus personagens históricos favoritos, e parte das contradições do homem estão nesse filme, uma versão ficcionalizada (mas bastante fiel às biografias) da busca de Burton e John Hanning Speke pela nascente do Rio Nilo. Ainda espero que esse filme passe em algum streaming, mas eu compraria tranquilo a mídia física para rever sempre.

Corram que o filme ruim vem aí:

Uma Confeitaria para Sarah – comedinhas britânicas sempre me atraem, e se envolverem comida, então, é juntar a fome com a vontade de comer. Pena que o filme é muito irregular e um pouco confuso, o que não ajuda. Não é constrangedor de ruim, mas dá uma certa tristeza porque tinha tudo para ser um bom filme.

Licorice Pizza – ok, esse eu já sei que vai ser motivo de homicídio, mas o filme se beneficia de um certo revival dos anos 1970 para encher os espectadores de (boa) música, muito corre-corre (literal) e um roteiro que no fim das contas é apenas uma comédia romântica entre dois desajeitados e desajustados mas que não decola o suficiente para fazer com que a gente ria ou tenha mais do que uma breve identificação com os personagens. Os atores estão ótimos, mas o filme não me pegou.

Obituário: Fredric Jameson 1934-2024

Rjurik Davidson

Tradução de Fábio Fernandes

“O Rei está morto, viva o Rei!” Esta antiga frase francesa, datada pelo menos do século XV, é do tipo que poderia ter levado Fredric Jameson a uma de suas análises extensas, lânguidas, alternadamente densas e divertidas, intelectualmente exigentes. Crítico cultural proeminente do marxismo durante mais de cinquenta anos, Jameson foi o principal defensor do pensamento dialético, no qual se demonstrou que dois fenômenos aparentemente contraditórios estavam unidos por alguma lógica subjacente. Neste modo, as camadas da aparência poderiam ser reformuladas como uma unidade de essência. Com origem em Georg Hegel, evidente no jovem Marx, é talvez o filósofo e crítico húngaro Georg Lukács que se destaca como o antepassado mais evidente de Jameson. A influência aqui não é simplesmente intelectual, mas estilística. Inerente é a crença de que a forma de comunicação é constitutiva do seu conteúdo: a maneira como você escreve algo é essencial para o que está sendo escrito. Desta forma, Jameson poderia implantar sistemas de pensamento aparentemente irredutivelmente antitéticos e antinômicos – estruturalismo e pós-estruturalismo, psicanálise freudiana e existencialismo sartriano, quadrados greimasianos e discursos DeManianos – e colidi-los em uma única e mesma peça. Indiscutivelmente, esta técnica dança ao longo de um penhasco perigoso: o risco de dissolver antinomias reais, produzindo um ecletismo em vez de integração em qualquer “totalidade” coerente. Seria esta apenas uma forma sofisticada de justificar a utilização de qualquer sistema ou abordagem antiga? Se esse fosse o risco, a recompensa seriam análises de uma originalidade impressionante, muitas vezes sem paralelo.

A obra de Jameson é muito abrangente, exaustivamente rica e multifacetada, para que qualquer indivíduo possa avaliá-lo completamente. Quem está qualificado para avaliar as suas extensas críticas ao realismo literário, ao modernismo e à ficção científica? Quem pode julgar a sua tipologia da cultura pós-moderna – inspirada no Late Capitalism ardio de Ernest Mandel e viajando da arquitetura às imagens caleidoscópicas da era digital – e ao mesmo tempo pesar os seus resumos da teoria literária marxista, que o lançaram internacionalmente, desde o seu magistral Marxismo e Forma (1971) ao seu trabalho final, uma pesquisa do pensamento intelectual francês, The Years of Theory: Postwar French Thought to the Present (2024)? Mal escrevo estas linhas, descubro que outro livro surgiu este ano sobre o romance contemporâneo durante a crise da globalização. Jameson escreveu mais rápido do que eu conseguia lê-lo.

O que mais distinguiu a abordagem de Jameson foi a interação de dois níveis: o económico e o cultural. O pós-modernismo foi, portanto, a lógica cultural do “Capitalismo Tardio”: uma incessante mercantilização da cultura e cultura da mercadoria. No capitalismo tardio, comprava-se não apenas um produto, mas uma imagem, um estilo de vida, uma visão do mundo, uma ideologia, uma narrativa antiga, cada uma tipicamente uma reprodução de uma forma mais antiga, devolvendo não uma paródia, mas um pastiche. Nesta cultura, não se compra simplesmente sapatos, compra-se este tipo de sapato, que conota esta coisa sobre si mesmo e, portanto, sobre você. Nike ou Adidas? Um deles é usado pelo maior jogador de basquete de todos os tempos; um deles foi cantado pelo Run DMC. Ferrari ou Red Bull? Um te dará asas. PC ou Apple? Nesta cultura mercantilizada, cada reprodução torna-se cada vez mais desvinculada do seu referente original, esvaziando a história do novo produto: cada uma é como uma folha de papel que foi fotocopiada e reorganizada tantas vezes que o original é indecifrável. Essa era a cultura do shopping, a imagem piscante, primeiro da televisão e depois do computador. A década de 1980 estava se transformando em um presente de ficção científica, que Jameson estava diagnosticando.

Talvez a representação que definiu essa cultura na mídia visual tenha sido Blade Runner (1982), de Ridley Scott, baseado em um dos muitos interesses literários de Jameson, a obra do grande escritor de ficção científica Philip K. Dick. Uma espécie de representação cinematográfica do movimento cyberpunk, onde rebeldes solitários manobravam por ruas labirínticas e multiculturais – pense nas combinações de Tóquio e Los Angeles noir, nas caminhadas dos Hare Krishna e nas filas de monges passando sob letreiros de néon, tudo colocado nas sombras de lugares sem rosto. corporações globais. Blade Runner capturou os interesses duradouros da cultura: quem somos nós num mundo dividido entre a “gentinha” e a megacorporação que pode não apenas possuir você, mas pode ter construído você, construindo até mesmo suas memórias? O que é ser humano? A fuga é para “fora do mundo”, onde nem você nem eu podemos nos dar ao luxo de ir. A natureza se foi deste mundo – pelo menos nas versões do filme antes dos testes de tela sugerirem um final alternativo (permitindo uma série de relançamentos, de “cortes do diretor”, eles próprios modos típicos ou reembalando um filme para maior consumo, maior penetração de mercado, maior reciclagem da mercadoria novamente). A ficção científica foi o gênero através do qual me envolvi pela primeira vez com Jameson (que supervisionou o doutorado de Kim Stanley Robinson sobre Philip K. Dick antes de Stan se tornar ele próprio  um grande socialista da ficção científica). Arqueologias do Futuro: O Desejo Chamado Utopia e Outras Ficções Científicas de Jameson – cujo argumento central ele explicou em Melbourne em 2005 para seu lançamento – é uma das obras definidoras de um campo que atrai particularmente os marxistas. Tanto a ficção científica como os marxistas têm um interesse particular no futuro; ambos normalmente afirmam que é improvável que seja simplesmente mais do mesmo, o capitalismo versão 2.0 e depois 2.1 e depois 2.2. Algo tem que ceder. Utopia ou distopia, socialismo ou barbárie?

Para Jameson, porém, a utopia era impensável. Esta afirmação discutível pode estar relacionada com o nível que falta no seu arsenal teórico – o político. O seu livro de 1981, O Inconsciente Político: A Narrativa como Ato Socialmente Simbólico, é um trabalho notável, mas impressionante pela sua falta de qualquer interrogação sustentada do político, apesar do seu título, que alguns podem considerar uma questão de propaganda enganosa. Esta categoria faltante do político – no sentido da sua própria esfera autônoma – é sintomática de uma questão mais ampla. Pois o hegelianismo de Jameson emergiu no contexto da esquerda americana na década de 1950 e depois na Nova Esquerda da década de 1960, uma explosão radical cujo radicalismo recuperado ocorreu numa paisagem, nas palavras do colega luminar marxista Terry Eagleton, “sem o ímpeto ou o consolo de um movimento militante da classe trabalhadora”. Tendo viajado para França e Alemanha na década de 1950, quando o existencialismo estava no seu auge, Jameson regressou rapidamente aos EUA onde, apesar do aumento da atividade grevista durante a década de 1960, o radicalismo foi definido de forma mais central pelos movimentos sociais – direitos civis, libertação das mulheres, direitos de gays e lésbicas, guerra anti-Vietnã – e uma militância estudantil que nunca chegou a forjar uma aliança prometida entre estudantes e trabalhadores.

As influências europeias dominantes nesta geração de radicais (combinadas com a corrente americana de Thoreau e Emerson) foram a escola de Frankfurt, que tinha ido para a América para escapar aos horrores do fascismo (embora o seu membro mais talentoso, Walter Benjamin, tenha tirado a própria vida na fronteira franco-espanhola, depois de ter sua entrada temporariamente recusada). Nascido neste clima intelectual, o hegelianismo de Jameson foi solidamente fundamentado em Marxismo e Forma: Teorias Dialéticas da Literatura do Século XX, de 1971, que examinou principalmente esta corrente da Escola de Frankfurt: o trabalho de T.W. Adorno e Benjamin, Ernst Bloch e Herbert Marcuse, Lukács e Jean-Paul Sartre (sua primeira monografia foi Sartre – As Origens do Estilo, de 1961). Na década de 1980, Eagleton podia afirmar que os “conceitos políticos dominantes de Jameson, herdados de Lukács e da escola de Frankfurt, são os da reificação e da mercantilização”. O que estava faltando aqui? Ausente nas suas primeiras fases estava o impacto do estruturalismo althusseriano ou do pensamento Gramsciano – ambos os quais contribuíram para teorias da literatura e da cultura a partir de perspectivas poderosamente diferentes da escola de Frankfurt. Quando estes atravessaram o Atlântico nas décadas de 1970 e 1980, a formação intelectual de Jameson estava efetivamente completa. Sua extensão seria doravante fora de uma posição estabelecida. Assim, se os interesses de Jameson se estendiam à arte e ao pensamento do Oriente e do Sul, às novas teorias com as quais se envolveu e integrou, tudo isto ocorreu no quadro hegeliano-lukácsiano. Esta forma de marxismo era para Jameson um “horizonte intransponível”. Foi Ernest Mandel, o economista, que despertou a imaginação de Jameson para teorizar o pós-moderno, e não Ernest Mandel, o crítico do eurocomunismo, o defensor de Lenin e Trotski, cujo Marxismo Revolucionário Hoje se envolveu em questões como o duplo poder, os movimentos radicais e o partido político, as instituições. do Estado. E assim, os críticos têm razão em perguntar: será que “o político” neste nível – como uma esfera relativamente autónoma – não formou também coordenadas-chave para a cultura e a estética? E esta influência política não faz da cultura e da literatura também um lugar de conflito, um campo de batalha de atitudes, em que os filmes de Ken Loach de Michael Moore se chocam ideologicamente com os de Clint Eastwood ou Dinesh D’Souza? A arte não se reduz à política , claro; nem é independente disso.

Jameson parece nunca ter confrontado adequadamente esta lacuna do “político”. Pelo contrário, foi teorizado e justificado no seu livro sobre o pós-modernismo (Perry Anderson observa esta dinâmica em The Origins of Postmodernity). Talvez o argumento seja retomado num dos trabalhos mais recentes de Jameson – aqui alego ignorância e aponto um tanto envergonhado para a prolificidade de Jameson. Mas se não, e isto é mais provável, o silêncio me parece a face dialética dos pontos fortes indubitáveis ​​de Jameson: um exame sustentado e incessante das interrelações entre economia e estética. O silêncio de um lado é proporcional à realização do outro – de uma forma verdadeiramente dialética que Jameson poderia aprovar. À reificação, à mercantilização e à totalidade, deveríamos, portanto, acrescentar a contradição como uma categoria jamesoniana decisiva. E assim é que “O Rei está Morto, Viva o Rei!” não é apenas uma reminiscência do pensamento e estilo de Jameson, mas também um epigrama apropriado para uma despedida. Jameson, mestre da crítica cultural, morreu em 22 de setembro de 2024. Sua obra vivera ainda por muito tempo.

(Traduzido com autorização do autor. O original pode ser lido aqui.)

Filmes de agosto (ou: o Desafio continua)

Este ano o mês de agosto passou de modo surpreendentemente veloz – tanto que foi o mês em que menos vi filmes. 15 filmes em 31 dias – um pouco porque voltei a ver séries com mais frequência, mas também porque passei o mês dividido entre faculdade e a revisão do meu último romance, que só foi finalizado no dia 6 de setembro. Esse número poderia ser vergonhoso em termos de cinefilia, mas não para o meu desafio: dos 15, 12 foram dirigidos, roteirizados e/ou protagonizados por mulheres, portanto cheguei certinho a 80%, que era a cifra esperada. Vamos à lista:

The Lady Eve – Preston Sturges
Faye- Laurent Bouzereau
The Palm Beach Story – Preston Sturges
Os Três Mosqueteiros, II – Milady – Martin Bourboulon
Wicked Little Letters – Thea Sharrock
Irvin Kershner – The Eyes of Laura Mars
The Heroic Trio – Johnnie To
Rainha do Everest – Lucy Walker
The Women – George Cukor
Babilônia – Damien Chazelle
Doleira, a História de Nelma Kodama – João Wainer
The Beast – Bertrand Bonello
A Boa Esposa – Martin Provost
Mr. Malcolm’s List – Emma Holly Jones
Shaun of the Dead – Edgar Wright

Estatísticas:

Dos 15, eu só havia assistido um, o último. Todo Mundo Quase Morto – título engraçadinho para o já clássico Shaun of the Dead, de Edgar Wright, com a genial dupla Simon Pegg e Nick Frost, primeiro da trilogia Cornetto, e que está completando vinte anos. Melhor média de filmes inéditos até agora – inclusive com um ineditíssimo: o excelente The Beast, adaptação muito livre de A Fera na Selva, de Henry James, feita por Bertrand Bonello.

Não vi nenhum filme no cinema. Quase fui ver Wicked Little Letters, mas por acaso descobri que estava na Netflix britânica, então vi em casa mesmo. Fiquei tentado a ver Alien: Romulus, mas não me interessei o bastante para ver na tela grande. Vou esperar sair na Disney + (o que é significativo, mas falo mais sobre isso outro dia). Também não vi nenhum filme com Patrícia, mas em épocas de muita atividade acadêmica a gente acaba vendo em horários separados, cada um no seu celular.

Idiomas? A maioria, como sempre, em inglês. Três em francês, um em mandarim (The Heroic Trio, filme de começo de carreira de Michelle Yeoh) e um falado metade em inglês, metade em tibetano (Rainha do Everest), além de um documentário em português.

Como nos demais meses, os filmes foram listados na ordem em que os assisti, sem classificação de qualidade; entretanto, me reservo o direito de recomendar que vejam os que mais gostei e, da mesma maneira, sugerir que passem longe dos que não gostei. A saber:

Os que mais gostei:

The Beast – conforme dito mais acima, esta é uma adaptação de um romance de Henry James, mas aqui os protagonistas se alternam entre três épocas diferentes: a década de 1910, a época atual e o ano de 2044. No futuro, depois de algum catástrofe não-especificada (mas pode ter sido uma pandemia ainda mais devastadora que a de COVID-19 e a Gripe Espanhola), uma mulher precisa se ajustar à nova sociedade governada por IAs benevolentes. Para tanto, ela faz uma terapia de vidas passadas (porque nesse mundo foi descoberto cientificamente que reencarnações existem) e se vê em outras duas vidas diferentes, sempre envolvida com o mesmo homem. As duas histórias passadas terminaram em tragédia, mas mesmo assim ela insiste em rever esse homem em sua encarnação futura. Um pouco previsível e esquemático, mas muito bem construído. Lea Seydoux genial nas três épocas. Gostei e vou rever.

Os Três Mosqueteiros, II – Não é um grande filme, mas talvez já possa ser considerado a melhor adaptação do romance de Dumas. Preciso rever o de Richard Lester, que vi na adolescência e lembro de ter gostado muito, mas convenhamos: este é um filme que só faz sentido de verdade se for falado em francês (a pronúncia do nome D’Artagnan pelos ingleses e americanos é algo tão vergonhoso que só isso deveria ser motivo para se proibir de filmar essa aventura em inglês). Os atores são excelentes (destaque para Eva Green como Milady), a cinematografia é belíssima e as lutas de espadas são espetaculares.

Corram que o filme ruim vem aí:

Tenho tido a sorte e a felicidade (e o tino também, ora) de escolher filmes bons para assistir, mas se eu puder recomendar dois para vocês nunca assistirem, me permitam:

Doleira – É simplesmente a história de uma pessoa sem nenhum escrúpulo moral. Não se trata de alguém que burlou alguma lei injusta, mas sim de uma pessoa corrupta e que se orgulha disso. O filme pode valer sim como estudo psicossocial, para futuras gerações entenderem o que nosso país se tornou e que, de certa forma, sempre foi. Vergonhoso.

Mr. Malcolm’s List – Alguns dos atores tentam salvar o filme, mas é constrangedor. Um sub-Bridgerton, cuja única virtude é ter (como a série da Netflix) um elenco racialmente diverso na época da Regência no Reino Unido. Mas a história não tem muito sentido: copia descaradamente Bridgerton, inclusive numa narração inicial que imita a outra (mas a outra é Julie Andrews, então nem tem comparação), e talvez a própria diretora tenha se dado conta do ridículo, porque depois de uns dez minutos de filme a narração desaparece para nunca mais voltar. Pena que o filme em si não tenha desaparecido.

uma outra internet era possível (ou: meu primeiro blog)

Hoje estava dando aula sobre Transmídia e eu falava aos meus alunos sobre como a internet da virada de milênio era tão diferente do que se vê hoje. E aí lembrei do meu primeiro blog, o Lanceiro Livre. Eu ainda morava no Rio de Janeiro mas viajava a cada quinze dias a São Paulo para reuniões de pauta com a equipe do Vento, portal de business da telefônica Vésper. Foram bons tempos: eu, Aurora Barbosa, Otávio Venturoli e Thales de Menezes. Eu era o repórter free-lancer do site: entregava todos os meses um pacote 4x4x4: quatro matérias sobre empreendedorismo e business, quatro resenhas de livros da área e quatro entrevistas com empreendedores, CEOs e autores de auto-ajuda financeira. Era trabalhoso, mas aprendi muito ali.

Um dia, Aurora me chama e me diz que criou um weblog, ou simplesmente blog para os íntimos: uma página que você podia criar numa plataforma (no caso, a Blogspot) e usar como diário digital. Eu não conhecia o conceito, que no entanto já era disseminado nos EUA e na Europa, onde inclusive já começava a surgir um movimento de jornalistas blogueiros. Dei uma olhada e gostei. Ela me ensinou como criar a minha, o que era incrivelmente fácil, e pronto: surgiu o Lanceiro Livre, tradução literal de free-lancer.

Então, no meio da aula, me deu um estalo e fiz uma busca rápida por esse blog no Google, algo que eu não fazia há anos. E ele ainda está todo lá.

Abaixo, reproduzo o primeiro post só para vocês terem um gostinho de como eu escrevia naquela época:

Lanceiro Livre: o Arquétipo do Ronin

Free-lancer: muita gente é, mas será que todos conhecem a origem do termo que identifica o profissional autônomo de modo geral? Muitos anos antes de saber que eu me tornaria membro dessa nem sempre tão prestigiada porém mui interessante confraria, ouvi em uma novela da Globo (vejam vocês!) uma das personagens explicar a outra o significado do termo free-lancer: a expressão seria originária da Idade Média, para designar cavaleiros que não serviam a nenhum reino específico, e que portanto tinham suas lanças livres, à disposição de quem quisesse e pudesse pagar por seus serviços. Esta semana decidi usar o Google para conferir a veracidade do relato novelesco. Achei a seguinte explicação no site da Dra.Beverly PotterO termo free-lance tem sua origem no período após as Cruzadas, quando um grande número de cavaleiros se separou de seus senhores. Ela não explica o resto, pois o site se concentra mais na figura japonesa do ronin, a quem compara os cavaleiros do medievo ocidental, mas junte-se essa frase à explicação da novela e você pode imaginar: cavaleiros armados até os dentes com lanças, escudos e armaduras, pelejando (literalmente) para descolar uns trocados e voltar para seus reinos. A metáfora com o trabalho do profissional autônomo não deixa de ter suas razões: não temos reinos para os quais voltar, mas precisamos pagar as contas da casa. Afinal, o lar de um homem é o seu castelo, diz o velho ditado. Quanto a mim, em dezembro completo dezesseis anos de atividade quase ininterrupta como free-lancer (ou frila, para os íntimos) nas áreas de jornalismo e tradução. Tem valido a pena. E, quanto ao nome do blog, ninguém usa a expressão traduzida para o português, é verdade. Mas achei que cairia bem, pelo menos como nome de blog. Espero que gostem.

Passei uma atividade para os alunos e comecei a navegar no velho blog. O template original (uma homenagem a Mondrian, composto por quadrados e retângulos multicores e que depois customizei para um padrão azul e branco) não existe mais. A foto minha que está ali é de 2015, atualizada automaticamente pelo Google, salvo engano. Em 2001 eu não usava barba e meus cabelos eram quase todos pretos. Mas os posts estão todos ali, cerca de 50, escritos ao longo dos dez meses da vida breve daquele blog. Depois dele vieram vários outros: o Lanceiro Livros, derivado que acredito ter sido o primeiro blog brasileiro dedicado a resenhas literárias (Santiago Nazarian diz que ele foi o primeiro, mas não sei não: de qualquer modo, está aí o link pra quem quiser conferir), o Zero Absoluto (de onde tirei o email que até hoje uso – todos os posts foram apagados, não lembro se fui eu ou se aconteceu algum bug) e o Pequeno Dicionário de Arquétipos de Massa, que virou até livro.

Agora a aula já acabou há muito tempo, voltei para casa e sigo aqui, percorrendo os links para posts de quase vinte e cinco anos, escritos com, assim me parece, mais leveza e uma certa ingenuidade. Desde então, tanta coisa aconteceu: divórcios, casamentos, nascimentos, funerais. E até mesmo os blogs desapareceram para dar lugar às redes sociais, para voltarem recentemente, seja na forma de newsletters, seja no formato mais tradicional – como este aqui, agora no WordPress. Navegar nesse blog antigo me deu um pouco de conforto; por um tempo, pude entrar em contato com um outro Fábio, numa outra internet, num outro mundo, que hoje é apenas uma página na web. Mas não, não dói. Foi bom revisitar esse tempo.

Marina Schopenhauer: who’s that girl?

Devo a um DJ da Baixada Fluminense a descoberta dessa cantora pós-punk europeia. Ouvindo hoje cedo um mix no YouTube, me deparei com uma canção dela com o título de Be Possessed. Já faz um tempo que venho fazendo uma pesquisa informal (leia-se: sem muito critério nem pressa) sobre bandas pós-punk desconhecidas dos anos 1980 e 1990, e essa canção me interessou bastante. Ela foi lançada aparentemente em 1980, e eu nunca tinha ouvido falar dela, o que não é nada incomum em se tratando de bandas ou cantoras/es da Europa dessa época.

Então fiz o que faço sempre nesses casos: uma pesquisa no próprio YouTube para descobri mais sobre ela. E de fato achei um canal só com músicas dela. No total são onze, e sem contar a canção acima que o DJ Pedrão tocou em seu mix. O canal está no nome de um certo Jesse Livermore, e as canções de Schopenhauer trazem o rótulo de German Goth Post-Punk, o que tem muito a ver com as músicas em si, que não são cantadas em alemão (quase todas em inglês com algumas partes em francês) mas tem uma pegada darkwave bem bacana e uma sonoridade que lembra várias cantoras e bandas dos anos 1980.

O que faz mais sentido ainda, porque tudo indica que Marina Schopenhauer não existe.

Não existe mais nenhuma referência a ela no YouTube que eu tenha encontrado. Então dei uma busca no Google. E o que encontrei foi uma página do Reddit justamente sobre ela. O usuário Same-Umpire-8656 lançou a seguinte pergunta: Does anyone know Marina Schopenhauer?

On July 4th until now, a user under the name Jesse Livermore started uploaded songs from a artist called Marina Schopenhauer. User stated that are Dark wave post punk or German dark wave, all from 80’s. Most of the comments wrote that there were AI generated (probably because the voice and the thumbnails seems like it), I’m no quite sure about it but I couldn’t any info about the singer or songs. Couple of videos were taken down, in which the user wrote that label dissapear during neo nazi riots in germany as long other bands/singers. Personally, I enjoyed the music and would be interesting to know if she really existed and know more about her.

Outro usuário do reddit, man_gomer_lot, respondeu:

There’s no way I wouldn’t have already come across her work. All the results on YouTube are less than 2 months, nothing about her shows up in the various published vinyl archives, no discographies, and a little too on the nose in every way.

O mistério se adensa quando você tenta descobrir mais sobre Jesse Livermore, que supostamente mora em Portugal, pois é o que diz a informação biográfica em seu canal, mas o que vale uma informação dessas, de verdade? O mesmo que o nome dele, que não traz nenhum resultado em pesquisas a não ser um grande especulador de Wall Street na primeira metade do século 20. Fakes dentro de fakes.

Quem é Jesse Livermore? E foi ele (ou ela, ou elu) quem compôs ou criou as músicas com IA? E isso importa? As músicas de Marina Schopenhauer estão começando a viralizar por canais de música darkwave e post-punk na web. E sabem o que mais? São bem boas. A minha favorita é esta aqui.

pensata de domingo

Estou lendo o excelente Monsters: a Fan Dilemma, de Claire Lederer, livro escrito com base no artigo que a autora fez para a New York anos atrás sobre Woody Allen, com a pergunta mais do que pertinente: é possível apreciar obras de arte feitas por monstros?

O livro nada tem de “cancelador” ou condenatório, mas coloca em perspectiva a visão do público perante obras de arte: afinal, é preciso conhecer a biografia do artista para melhor apreciar a obra, ou o contrário é que seria o ideal? Lederer se alinha mais aos que acreditam na força da biografia, mas a questão que ela levanta ao longo do livro é que talvez seja mais importante considerar a biografia da pessoa que aprecia a obra. Patrícia me lembra que existe um nome para isso: viés de disponibilidade, ou seja, a pessoa vai responder à obra de acordo com seus conceitos e preconceitos.

A questão que Lederer levanta não tem resposta fácil. Mas uma coisa é interessante lembrar: nós não temos nenhum controle sobre a biografia do artista. E, de certa forma, nem sobre a nossa. Mas nossas opiniões podem (e devem) mudar com o tempo.

Version 1.0.0

Filmes de Julho – e um relatório sobre o Desafio

Julho foi o mês mais fraco do ano em termos numéricos – mas não em qualidade. Foram 26 filmes em 31 dias; isso se deu porque julho foi o mês em que voltei depois de um longo tempo a assistir a série Doctor Who clássica, e passei quase todas as noites vendo primeiro um episódio do Segundo Doutor (Patrick Troughton) para depois começar um longa-metragem. Em compensação, foi o mês em que mais fui ao cinema: três filmes assistidos na tela grande, sendo dois com Patrícia (C’è Ancora Domani e Fausto Fawcett na Cabeça) e um sozinho (Deadpool e Wolverine). Além disso, tive um desafio a cumprir, proposto pela Patrícia, de ver pelo menos 80% de filmes dirigidos e/ou protagonizados por mulheres. Querem saber se eu consegui? Vamos à lista.

His Girl Friday – Howard Hawks
Variety – Bette Gordon
Theodora Goes Wild – Ryszard Boleslawski
The Awful Truth – Leo McCarey
Goyo – Marcos Carnevale
O Fabuloso Destino de Amélie Poulain – Jean-Pierre Jeunet
Roadrunner – a film about Anthony Bourdain – Morgan Neville
It Happened One Night – Frank Capra
The Apartment – Billy Wilder
C’e Ancora Domani – Paola Cortellesi (cinema)
The Woman King – Gina Prince-Bythewood
Desaparecidos na Noite – Renato de Maria
The Naked Civil Servant – Jack Gold
Le Bonheur – Agnes Varda
Irma La Douce – Billy Wilder
Bonjour Tristesse- Otto Preminger
A Vingança Está na Moda – Jocelyn Moorhouse
Crisis on Infinite Earths, Part 2 – Jeff Wamester
Diálogos com Ruth de Souza – Juliana Vicente
Fausto Fawcett na Cabeça – Victor Lopes (cinema)
Mrs. Harris Goes to Paris – Anthony Fabian
Bacurau – Kleber Mendonça Filho
Morvern Callar – Lynne Ramsay
Artistas e Modelos- Frank Tashlin
A Chicken for Linda – Chiara Malta e Sebastien Laudenbach
Deadpool e Wolverine – Shawn Levy (cinema)

Estatísticas:

. Dos 26, eu já havia assistido 4: o que mais revi foi Amélie, um dos meus filmes favoritos. It Happened One Night, outro filme de que gosto muito (como quase todos os de Frank Capra), fica em segundo. Artistas e Modelos era um favorito da Sessão da Tarde, onde a dupla Jerry Lewis/Dean Martin reinou suprema por anos (e depois nas tardes de sábado). O menos visto até hoje foi Bacurau, mas isso vai mudar radicalmente nas próximas semanas, pois estou trabalhando num projeto acadêmico que envolve esse filme e ele será reassistido pelo menos mais duas vezes nas próximas semanas (talvez mais, se o projeto for aprovado – cruzem os dedos).

. No cinema vi três filmes: com Patrícia, o italiano C’è Ancora Domani, dirigido e estrelado por Paola Cortelesi, praticamente desconhecida no Brasil mas uma atriz celebrada na Itália, de quem já vi a enraçadíssima comédia Come un Gatto in Tangenziali, e a pré-estreia paulistana de Fausto Fawcett na Cabeça. Fausto, amigo de duas décadas com quem já troquei muitas ideias e prefácios de nossos livros (ele em Os Dias da Peste, eu em Santa Clara Poltergeist). De resto, vi sozinho o terceiro filme ontem, Deadpool e Wolverine. Mas no streaming eu e ela vimos mais cinco filmes: Goyo, sobre um rapaz autista que se apaixona (mas no fim se revela tóxico do mesmo jeito que os homens neurotípicos, o que nos incomodou porque o filme o defende – e eu, como autista, não posso defender um macho tóxico só porque ele é neurodivergente), Roadrunner, A Vingança está na Moda e Mrs. Harris Goes to Paris, este dois últimos sobre moda e muito bons. Sobre o quinto eu falo mais abaixo.

. Com relação a idiomas, foram oito filmes falados em idiomas que não o inglês: três filmes em francês, um em espanhol, um em italiano e três em português, vejam vocês. Não é o melhor número internacional do ano, mas também não é o pior. A ideia também é ver filmes mais diversos linguisticamente no resto do semestre – e mais brasileiros, certamente.

. Finalmente, o Desafio: dos 26, 8 eram dirigidos por mulheres, mas outros 8 eram protagonizados por mulheres, então o total foi de 16 filmes, o que dá 60%, e não 80%. Mas gostei do desafio, e vou continuar procurando a proporção áurea de 80.

Como nos demais meses, os filmes foram listados na ordem em que os assisti, sem classificação de qualidade; entretanto, me reservo o direito de recomendar que vejam os que mais gostei e, da mesma maneira, sugerir que passem longe dos que não gostei. A saber:

Os que mais gostei:

este foi um mês muito saboroso em termos de qualidade (volta e meia mediada por nostalgia): foram muitos os filmes de que gostei genuinamente – embora em vários mais antigos, como por exemplo o filme de Frank Capra e o de Frank Tashlin, a quantidade de situações de assédio (mal) disfarçadas de romantismo, tenham me incomodado de um jeito que não o fariam uma década atrás (e esse incômodo é bom):

. His Girl Friday – essa é a segunda versão do roteiro genial de Ben Hecht sobre um jornalista que não consegue (literalmente) abandonar a profissão. Essa versão é gender-swapped, ou seja, o protagonista era homem mas um incidente na primeira leitura do roteiro (em que a atriz Rosalind Russell leu o papel de Hildy Johnson porque o ator havia faltado e todos adoraram) fez com que Hawks pedisse a Hecht para reescrever o roteiro. E deu muito certo. Junto com Cary Grant, Russell faz uma das duplas mais explosivas e engraçadas do cinema. É pra ver, rever, colecionar e exibir para todo mundo.

Amélie – Nem preciso falar muito desse filme. Continua tão bonito visualmente e narrativamente quando na época em que foi lançado, lá se vão quase vinte e cinco anos. Um dos favoritos da vida.

. Roadrunner – Confesso que só me liguei na existência de Anthony Bourdain depois de sua morte. Hoje sou um fã ardoroso desse sujeito tão incrível e tão torturado. Foi gostoso mas também muito duro ver os depoimentos dos amigos; todos estavam visivelmente emocionados, e eu e Patrícia também nos comovemos muito.

Corram que o filme ruim vem aí:

. Desaparecidos na Noite – olha, eu tento defender os filmes italianos, mas nos últimos tempos tem sido difícil. Esse filme é uma trama até que bem elaborada, mas por que diabos em toda separação, mesmo quando o homem é um bosta (como no caso deste filme, sobre um sujeito viciado em jogo que estraga a relação com a família) mas no fim a verdadeira culpada é a mulher? Evitem.

. Crisis on Infinite Earths – Já vi a parte um e a dois, e não vou ver a três. Não tenho nenhum problema com adaptações que se desviam muito do material original. Mas neste caso a DC parece ter seguido o Protocolo Zack Snyder: muita porrada e cara feia, e pouco roteiro. Tudo muito previsível e bobo, infelizmente.