Resenha Ligeira: Dívida, de David Graeber

No post anterior, associei Mark Fisher a David Graeber e mencionei seu livro Dívida: os Primeiros Cinco Mil Anos, num breve pensamento sobre como o Capital nos controla. Dívida foi publicado em originalmente em 2011 (saiu aqui no Brasil em 2023, com tradução de Rogério Bettoni) e é de certa maneira um livro-irmão da sua obra póstuma, O Despertar de Tudo.

Neste último livro, escrito a quatro mãos com o arqueólogo David Wengrow, Graeber (que era antropólogo) apresenta uma visão diferente do passado das civilizações humanas. Ao contrário do que aprendemos na escola, onde somos levados a acreditar que a história da humanidade é sempre linear, ou seja, um caminho reto que leva de culturas menos avançadas para outras mais avançadas com o passar do tempo, os autores procuram mostrar, com diversos exemplos, que a história não caminha assim. Existem avanços e retrocessos, construções e desconstruções (e destruições), e processos políticos e sociais muito diferentes uns dos outros mas que coexistem no mesmo espaço de tempo.

Com Dívida a lógica é a mesma. A capa da edição brasileira afirma que o livro é “uma história alternativa da economia”. Não é exatamente isso, mas faz um certo sentido: Graeber entra fundo na questão da dívida e de seu perdão, analisando diversas sociedades desde a Mesopotâmia a fim de tentar entender o que é o dinheiro como conceito e como o conceito de dívida já existia antes mesmo da moeda física aparecer na história.

Graeber é de uma honestidade intelectual a toda prova. Ele nunca afirma cabalmente saber de tudo – uma crítica que ele faz a outros autores na introdução ao O Despertar de Tudo, ainda que em Dívida ele não faça isso. Mas não deixa de ser interessante observar que em introduções e prefácios os autores costumam justamente fazer um inventário dos pesquisadores que vieram antes e dos quais eles se sentem devedores (pensem em Isaac Newton e sua famosa frase sobre os ombros de gigantes), e Graeber opta por não fazer isso nesse livro.

Mas como antropólogo, Graeber acaba sendo de certa forma devedor a outros como Malinowski e Mauss, que foram os fundadores do ramo da antropologia econômica. E, como eles, Graeber é um excelente narrador: em mais de 500 páginas ele nos conta muitas histórias sobre a questão da troca (e de como o escambo nas sociedades primitivas não é bem do jeito que aprendemos nos livros) e da dádiva, entre outras coisas. Histórias aqui no melhor sentido: o que Graeber faz é procurar dissipar mitos e nos apresentar uma outra dádiva, a da dúvida; as coisas não foram do jeito tão certinho quanto sempre nos foi ensinado. Não se sabe exatamente o que havia antes, principalmente onde não sobreviveram registros – e é essa sinceridade brutal, essa rude franqueza que Graeber nos dá neste livro. Talvez por isso ele não faça tanto sucesso quanto autores como Yuval Harari, porque não nos dá certezas históricas quanto ao passado remoto. Mas Dívida nos dá a certeza de que praticamente tudo o que pensávamos saber a respeito de como o dinheiro e as dívidas surgiram no mundo está errado.

(Em tempo: alguns anos atrás traduzi para a Revista Jacobina um artigo de Graeber sobre o que ele chamava de bullshit jobs, ou empregos de merda. Vale a leitura.)

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