Depois de quase dois meses sem escrever aqui, volto depois de um tempo ruminando uma questão que me incomoda, ou melhor, me instiga: temos uma crítica literária de ficção científica?
Eu quase me corrijo aqui dizendo que talvez fosse melhor reescrever o termo mudando a ordem dos fatores: “crítica de ficção científica literária” poderia ser mais preciso, mas a esta altura do campeonato eu sinceramente não sei se todo esse rigor é necessário. Mas algumas balizas, alguns marcadores de território, sim, eu acredito que sejam necessários e bem-vindos.
Penso nisso depois de um evento recente do qual participei, junto com alguns amigos e colegas de academia ligados á ficção científica como Octavio Aragão e Tiago Meira. Durante o evento, que tratava, entre outros temas, de Inteligência Artificial e para o qual fui convidado como escritor e pesquisador de ficção científica, percebi que praticamente ninguém na sala do Zoom (era um evento online) fazia a menor ideia das referências que eu e os meus colegas mencionamos.
Isso não é nada fora do comum em eventos das áreas de tecnologia ou de comunicação – embora eu sempre me surpreenda com o alcance da falta de informação (é isto um paradoxo?) que faz com que meus interlocutores nesses eventos de modo geral só entendam os códigos mais básicos, e mesmo assim relacionados ao audiovisual, como por exemplo robôs e naves espaciais. É totalmente legítimo mencionar esses códigos, e não há nada de errado aí – só que isso faz com que cada conversação desse tipo acabe se tornando uma grande frustração, porque exige que cada palestrante/participante que entende de ficção científica tenha a generosidade e a presença de espírito de (sem ser condescendente, isso é importante) explicar o que é a ficção científica realmente, para além dos seus clichês, para então poder de fato iniciar uma conversação séria.
Talvez um dos problemas seja exatamente esse: a ficção científica é encarada sempre como entretenimento, logo não pode ser séria. Mas como um megagênero, segundo Damien Broderick em seu clássico Reading by Starlight, que recomendo fortemente para quem deseja começar a estudar teoria crítica de ficção científica, a FC (e não sci-fi, termo criado para o audiovisual, coisa que até hoje pouca gente no Brasil sabe) comporta uma quantidade enorme de subgêneros. Ou talvez todos os gêneros, como alguns pesquisadores (eu incluído) que preferem ver a ficção científica como um modo narrativo.
Não sei se esse problema tem solução, talvez porque não seja exatamente um problema, ou o seja apenas para alguns. Mas o evento recente me fez voltar a pensar em algo que eu estava matutando faz um tempo: um curso de crítica literária de ficção científica. Desconheço se já foi feito algo do gênero no Brasil, mas acho fundamental, especialmente nos dias de hoje, em que abundam influenciadores (e mesmo resenhistas da grande imprensa) que não sabem como abordar uma obra de ficção científica sem recorrer a clichês, porque têm pouca ou nenhuma leitura, não só de livros de FC propriamente dita como também de teoria crítica ligada a ela. Pretendo ministrar um curso do gênero ainda este ano. Fiquem ligados.
